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    Editorial: Contrabando legislativo

    24/10/2014 02h00

    Deputados e senadores, em especial os mais vividos, sabem o quanto pode ser custosa, em termos políticos, a defesa de um projeto de lei que afronte o interesse público. Sempre que podem, portanto, valem-se de expedientes sorrateiros para tentar encobrir seus propósitos inconfessáveis.

    Poucos instrumentos legislativos prestam-se mais a esse tipo de embuste do que as medidas provisórias –cujo abuso pelo Executivo, aliás, já representa uma distorção.

    Editada em sua versão original pela Presidência da República, essa peça normativa responde, cada vez mais apenas na teoria, a demandas urgentes e relevantes, tendo por isso tramitação prioritária.

    Nessa prioridade inúmeros congressistas enxergam uma oportunidade. Aproveitando-se da inércia de uma medida provisória qualquer, nela embutem as mais diversas propostas, desde aquelas que não alcançariam consenso em uma das Casas até as que jamais mereceriam o apoio da população.

    O exemplo mais recente da anomalia está na medida provisória 651, assinada pela Presidência em 9 de julho. Quando chegou ao Congresso, tinha 51 artigos e tratava do Refis, programa que reduz juros e parcela dívidas tributárias. Ao ser aprovada pela Câmara na semana passada, contava 114 artigos e versava sobre tudo e mais um pouco.

    Nesse contrabando entrou um dispositivo malicioso. Por sugestão do senador Gim Argello (PTB-DF), o deputado Newton Lima (PT-SP) incluiu no texto regra que anistia parte das dívidas de condenados por desvio de recursos públicos.

    Se a lei passar assim como está, gestores e empresas que tenham cometido irregularidades poderão ganhar o benefício de pagar o que devem com exclusão de juros e multas, em parcelas que podem se prolongar por até 15 anos.

    Não é pouco o que está em jogo. Somente em 2013, a Advocacia-Geral da União, responsável por cobrar dívidas após condenação judicial ou administrativa, iniciou 2.109 processos com vistas a receber pouco mais de R$ 1 bilhão.

    De acordo com o próprio Newton Lima, a emenda não prosperará. Ainda que a medida provisória ganhe o aval do Senado, o que parece provável, o trecho indecoroso será vetado pela presidente Dilma Rousseff (PT), afirma. Pode ser. Mas convém vigiar de perto.

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