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    Raul Juste Lores: Jornalismo com graça

    18/11/2014 02h00

    Um comediante britânico sem pinta de galã, com sotaque, dentes e penteado típicos do Reino Unido, estrela um dos mais imperdíveis programas jornalísticos da TV atual.

    John Oliver, 37, da rede americana HBO, teve seus 15 minutos de fama no Brasil ao explicar, melhor que a imprensa nativa, os desmandos e a corrupção da Fifa e por que, ainda assim, ele não conseguiria perder uma única partida da Copa do Mundo.

    Mas diversos outros vídeos disponíveis no YouTube justificam o sucesso do comediante. Com leveza e clareza, dados bem apurados e temas fora das manchetes, ele já levou seu escrutínio à pena de morte, os desvios de verbas das loterias públicas, as esquisitices da autora libertária Ayn Rand e explicou a importância das eleições da Índia –isso, na insular TV americana.

    Até o tema de neutralidade da rede serviu para um quadro longo e divertido nas mãos de Oliver. Ele aborda de três a quatro temas em 30 minutos de programa –e dedica longos 13, 14 minutos a um único assunto. Quem disse que texto longo espanta audiência?

    Sua graça e sucesso abrem portas: ele já entrevistou do cientista Stephen Hawking ao diretor da Agência Nacional de Segurança (NSA).

    Virou programa obrigatório para quem quer entender a era de ouro da TV americana, que vai além dos seriados espertos e bem escritos, que deixaram os filmes de Hollywood pra trás. Como o cinema argentino também escancara, um texto bom faz toda a diferença.

    Especialmente quando o jornalismo televisivo nos EUA enfrenta a mesma crise que já atinge jornais e revistas há anos. Audiências minguantes, perda de relevância e a juniorização das equipes que só conseguem se debruçar em alguns poucos temas.

    A CNN virou a Ebola News Network, após meses tentando descobrir os desaparecidos do voo da Malaysia Airlines.

    Se o jornalismo, com tanta repetição e superficialidade, mais confunde que explica, os novos comediantes explicam e ainda fazem rir –o melhor antídoto para evitar que parte do público opte pela alienação do que se inteirar das desgraças do mundo.

    Oliver continua a tradição recente de comediantes-jornalistas como Jon Stewart, o jornalista mais influente do país –seu programa, "The Daily Show", é a principal fonte de informação para americanos entre 18 e 35 anos. E de Stephen Colbert, que ironiza os apresentadores da ultraconservadora Fox News.

    A universidade americana –onde altos salários dependem mais de produção intensa e antenada com o mundo exterior do que apenas tempo de serviço– já tomou nota e diversos livros recentes analisam o fenômeno de quem sabe nos fazer rir da realidade.

    RAUL JUSTE LORES é correspondente da Folha em Washington

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