• Opinião

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    Raul Cutait: Adib

    23/11/2014 02h00

    Com uma personalidade que associava empreendedorismo a determinação, disciplina e sensibilidade social, Adib Jatene foi sempre construindo por onde passava. Do Estado do Acre, órfão ainda muito criança, até o fim de sua trajetória terrena, ele fez muito.

    Como médico, escolheu uma especialidade então incipiente, a cirurgia cardíaca, em que chegou a desenvolver técnica operatória própria e equipamentos então necessários, mas não disponíveis.

    Foi figura-chave para duas das mais importantes instituições de cardiologia do Brasil, o Instituto Dante Pazzanese e o HCor (Hospital do Coração), além de ter ajudado a consolidar o InCor (Instituto do Coração), enquanto professor titular da Faculdade de Medicina da USP, da qual foi diretor.

    Suas lições de comportamento e compromisso pessoal em busca da excelência de atendimento para seus pacientes eram exemplares. Adib desenvolveu outra expressiva atividade, a do homem público, compromissado com o sistema de saúde, provavelmente motivado por experiências de vida e sentimento de solidariedade.

    Foi secretário de Saúde do Estado de São Paulo e ministro da Saúde em duas oportunidades, de governos de partidos díspares, deixando marcas profundas, dentre elas ter alavancado o Programa Saúde da Família, de grande impacto na atenção básica do país, o que reputo como uma de suas principais contribuições.

    Como um Dom Quixote, dedicou-se intensamente para ver aprovado a CPMF, numa tentativa frustrada de aumentar o dinheiro federal disponibilizado para a saúde.

    Seria impossível num espaço tão curto listar tudo o que Adib fez, mas com certeza ele teve um papel único no mundo médico e da saúde brasileira e, mesmo tendo feito muito, certamente não viu acontecer tudo o que vislumbrou.

    Com voz suave e rouca, cativava quem com ele convivia, e comigo não foi diferente. Ao longo de décadas, sempre se mostrou disposto a conversar e a trocar ideias, enchendo-me de ensinamentos sobre um perfil que sempre admirei: o do profissional altamente especializado de sucesso, mas que se importa também com os menos favorecidos.

    Mais de uma vez me mostrou rascunhos de artigos sobre saúde que estava escrevendo e, instigando-me, pedia minha opinião. Não poderei me esquecer de quando, há algumas semanas, ainda com voz fraca, me telefonou da UTI onde estava internado apenas para elogiar o artigo que eu havia publicado naquele dia nesta Folha.

    Seus filhos, três deles médicos de destaque, e seus netos, vários seguindo a trilha da medicina, podem ter o prazer e a alegria de se orgulhar do nome que carregam.

    Adib se foi, mas seu excepcional exemplo de médico, ser humano, cidadão e homem público continuará entre nós. Sem dúvida, sou um privilegiado por ter contado com sua amizade, afeto e convívio.

    RAUL CUTAIT, 64, professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP, é membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Paulista de Letras. Foi secretário municipal de Saúde de São Paulo (1993)

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