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    Editorial: Feministas do espaço

    23/11/2014 02h00

    Manifestações de ódio e intolerância encontram, como se sabe, campo livre nas redes sociais. O imediatismo das respostas, o desejo febril de reconhecimento, a certeza de não se encontrar cara a cara com os agredidos e sobretudo a miragem da militância a custo zero permitem todo tipo de ofensa.

    Ainda mais quando é em nome de uma boa causa que se dá curso ao ataque imotivado.

    O cientista britânico Matt Taylor certamente não contava com a saraivada de críticas que recebeu pela internet. Ele comemorava o pouso do módulo Philae no cometa Churyumov-Gerasimenko, proeza científica de proporções históricas na qual tivera participação.

    A camisa que Taylor usava naquele momento despertou, porém, mais reações de fúria em setores feministas radicais do que todos os aplausos que sua ciência merecia.

    Estampava imagens de mulheres em poses sensuais. Eram aparentadas, aliás, às heroínas armadas de histórias em quadrinhos –e não propriamente ao figurino passivo, frágil e algo idiotizado das "pin-ups" de outros tempos.

    Uma professora universitária atirou a primeira pedra: "Uma pequena camiseta para um homem, um enorme fato para o sexismo", reclamou. "Obrigada por arruinar o pouso para mim, imbecil", acrescentou uma jornalista pelo Twitter.

    A camisa tinha sido feita por uma amiga do cientista, mas isso não atenuou a virulência dos ataques; por fim, Taylor pediu desculpas, em lágrimas, pelo caráter supostamente ofensivo da veste.

    Enquanto transcorria esse consternador caso de "bullying", a revista médica "The Lancet" divulgava os resultados impressionantes de pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde.

    Uma em cada três mulheres, em todo o mundo, é vítima de algum tipo de violência conjugal. Na média global, 38% dos assassinatos de mulheres foram cometidos por seus cônjuges ou parceiros. Calcula-se entre 100 milhões e 140 milhões o total de jovens e adultas que tenham sofrido mutilação genital.

    Tais números compõem tragédia vastíssima; talvez por isso mesmo, incapaz de prover com frequência imagem de fácil reconhecimento midiático.
    Os 30% de mulheres que, na zona rural de Bangladesh, relatam ter sido forçadas à primeira relação sexual não aparecem facilmente no Facebook –e menos os perpetradores da violência.

    A camisa do cientista espacial, sem dúvida, é alvo mais fácil para a ociosidade de internautas do feminismo extremado; seria o caso de perguntar, diante dos dados divulgados, se vivem em outro planeta.

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