• Opinião

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    Editorial: Doações escandalosas

    28/11/2014 02h00

    Para se reeleger, a presidente Dilma Rousseff (PT) gastou R$ 319 milhões, segundo a prestação de contas entregue à Justiça Eleitoral no começo desta semana.

    O senador Aécio Neves (PSDB-MG) despendeu menos recursos: R$ 216 milhões. Mas, à diferença de sua adversária, o tucano não conseguiu recolher o suficiente para arcar com as despesas; sua dívida, a ser assumida pelo partido, gira em torno de R$ 15 milhões.

    As cifras são espantosas –e crescentes. Em relação às receitas de quatro anos atrás, considerando valores atualizados pela inflação, Dilma aumentou a arrecadação em quase 70%; Aécio, por sua vez, na comparação com José Serra em 2010, alcançou 83% a mais.

    O custo elevado das campanhas tem preocupado os mais diversos setores, e mesmo políticos que hoje se beneficiam do modelo apontam o que há de problemático nele. Inúmeros estudos mostram correlação forte entre volume de dinheiro e chances de vitória. Sem um mecanismo capaz de conter exageros, candidatos precisarão de verbas cada vez mais estratosféricas.

    Pouco haveria a comentar se tais quantias se acumulassem graças ao apoio de milhões de cidadãos interessados num determinado projeto de país –salvo, é claro, pelo que isso significaria em termos de mudança da cultura política.

    Ocorre, no entanto, algo bem diverso; as dez empresas privadas que mais doaram para a campanha de Dilma, por exemplo, respondem por 61,5% do total amealhado. Campeã nesse quesito, a JBS, dona do frigorífico Friboi, destinou R$ 70 milhões para a petista e outros R$ 40 milhões para Aécio.

    Ainda pior, os aspectos deletérios do sistema não se esgotam na distorção representada por pagamentos dessa natureza. Talvez mais grave seja o véu de suspeita com que se cobrem as doações feitas por empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, que investiga esquema de corrupção na Petrobras. Juntas, elas repassaram quase R$ 73 milhões a Dilma e Aécio.

    Tamanha gastança decerto não deriva do fervor ideológico das companhias. Trata-se, ao contrário, de puro pragmatismo: fazem-se contribuições na expectativa de obter do eleito vantagens indevidas; um investimento, e não doação.

    É urgente interromper o círculo vicioso, mas as soluções em geral aventadas pecam num ponto crucial. Tanto o financiamento público exclusivo como a proibição à doação de empresas tornam ilegal qualquer participação que elas queiram ter; como não desaparecerão seus interesses, elas apenas poderão se valer dos canais escusos.

    Melhor seria fixar um limite absoluto às contribuições (o teto atual é proporcional à renda ou ao faturamento) e aperfeiçoar ferramentas de transparência e fiscalização em tempo real. Conhecer a prestação de contas um mês após o pleito não ajuda ninguém a decidir o voto; serve apenas para escandalizar.

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