• Opinião

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    Editorial: Incompetência atemporal

    29/11/2014 02h00

    O fracasso do governo federal diante do conflito fundiário entre produtores rurais e indígenas desembocou na judicialização da disputa em torno da demarcação de terras. Como consequência, prolonga-se o impasse e cresce o risco de decisões que não dão conta da complexidade do assunto.

    Esse é o caso de julgamento concluído em setembro pela segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 3 votos a 1, a corte deu razão a um fazendeiro que pediu a anulação da demarcação da terra indígena Guyraroká, concedida a grupos guaranis-kaiowás em 2009.

    Prevaleceu por ora (o Ministério Público Federal entrou com recurso) a tese do marco temporal, segundo a qual só podem ser demarcadas áreas que estivessem ocupadas por indígenas em 1988, ano de promulgação da Constituição.

    Localizada em Caarapó (MS), Guyraroká não abriga comunidades guaranis-kaiowás desde a década de 1940, segundo laudo antropológico da Fundação Nacional do Índio (Funai).

    Se o entendimento vingar, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja Católica, estima que ao menos 300 territórios possam ser afetados.

    Ao impor o marco arbitrário de 1988, entretanto, o STF ignora o bem documentado processo de colonização do sul de Mato Grosso do Sul, ocorrido até meados da década de 1950. Os guaranis-kaiowás foram confinados em áreas de até 3.500 hectares, hoje superpovoadas e marcadas por suicídios, desnutrição infantil e violência.

    Deve-se lembrar, além disso, que a própria Constituição garante aos índios o direito originário a territórios tradicionalmente ocupados.

    Se a situação revela-se intrincada em relação aos povos indígenas, muitas vezes tirados à força das regiões onde viviam, o mesmo pode ser dito quanto aos produtores rurais, muitos dos quais proprietários de terras adquiridas de boa-fé.

    Atento ao segundo ponto, o STF indicou que a União deve indenizar integralmente pela terra, e não só pelas benfeitorias, os fazendeiros com titulação reconhecida.

    Parece um caminho capaz de minimizar conflitos, e o governo recentemente demonstrou percepção semelhante. Ainda é pouco, contudo, para uma administração que mantém a Funai sem presidente pleno desde junho de 2013.

    Prestes a começar um novo mandato, a presidente Dilma Rousseff (PT) tem a oportunidade de corrigir anos de descaso. Caso não assuma o protagonismo, deixará a questão indígena refém de crises de violência e de simplificações moldadas por decisões judiciais.

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