• Opinião

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    Fernanda Mena: USP, estupros e metrô

    01/12/2014 02h00

    Os episódios de violência sexual dentro da Faculdade de Medicina da USP assustam tanto quanto o comportamento institucional que se seguiu.

    As denúncias de assédio, abuso e estupros foram recebidas pela direção da instituição com indiferença. Tudo indicava que os casos seriam varridos para baixo do tapete.

    Essa arbitrariedade não é rara na gestão do principal centro de ensino e pesquisa do país, a começar pela escolha de seu reitor: nomeado pelo governador ainda que não seja o mais votado da universidade. É o clichê do encastelamento acadêmico: olha-se o mundo de cima sem muito apreço pelos contratos que regem a sociedade a sua volta. E tudo se resolve ali dentro.

    Um dos casos mais graves dessa conduta não veio a público. Há cerca de dez anos, a USP foi procurada pelo metrô para discutir o projeto da linha que liga a região central à zona oeste, local de seu principal campus na capital.

    Parecia natural que uma das estações estivesse dentro da Cidade Universitária, por onde passam, diariamente, cerca de 100 mil pessoas e cujo acesso não é dos mais fáceis.

    A USP rejeitou o projeto. O sindicato de funcionários diz que o argumento seria a atração de "gente diferenciada", termo cunhado por moradores do bairro de Higienópolis para explicar por que não queriam metrô em seu território.

    A ideia de que a parada atrairia forasteiros ao campus foi avaliada como complicador da já precária segurança local. E se sobrepôs às vantagens de criar um meio de transporte a alunos, professores, funcionários e outros.

    Se o argumento da pureza surpreende quando aplicado pela elite de Higienópolis, o que dizer quando evocado por cabeças da principal universidade pública do país? Hoje, USP e metrô evitam o assunto.

    A estação mais próxima, a Butantã, fica a um quilômetro do portão principal. De noite, após as 22h40, quando se encerram as aulas noturnas, é preciso coragem para percorrê-lo, a não ser em grupos. Nesse horário, o próprio campus é muito mal iluminado –condição, aliás, que favoreceu outros estupros e crimes ali.

    O ônibus circular da universidade ganhou dos alunos um apelido digno de sua frequência e praticidade: secular.

    O prejuízo é imenso.

    A exemplo da sindicância aberta para apurar a gestão do ex-reitor João Grandino Rodas (2010-2013), que autorizou aumento de gastos com funcionários sem consultar ninguém e mergulhou a USP em sua pior crise financeira, é urgente tirá-la do isolamento.

    Dar mais transparência ao que ocorre ali, seja nas festas da Medicina, seja nas reuniões da reitoria, é integrar a universidade ao mundo a sua volta. E, para isso, nada melhor, na prática e no imaginário, do que uma estação de metrô.

    FERNANDA MENA é repórter especial da Folha

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