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    Marco Antonio F. Milani Filho: Falácias e futuro

    03/12/2014 02h00

    Falácia é um argumento falso, mas com a aparência de verdadeiro. Um discurso falacioso é, portanto, aquele que parece ser válido, mas contém uma ou mais inconsistências lógicas que invalidam o seu conteúdo.

    Neste agitado momento político, alguns argumentos que estão sendo amplamente disseminados nas redes sociais, veículos de comunicação de massa e em rodas de amigos merecem atenção, não somente pela demonstração da falta de racionalidade e ética discursiva para defender partidos, mas pelas consequências nocivas que provocam.

    Há propostas totalitárias que pretendem se passar por democráticas e cujos autores usam argumentos falaciosos em suas falas para subverter a própria noção de democracia.

    Como é possível uma proposta democrática desprezar ou tentar calar à força aqueles que pensam de maneira diferente? É incoerente, a não ser que se use um discurso falacioso pelo qual se incuta a ideia de que determinado grupo represente a vontade do povo e agirá para o seu bem, assim quem for contra ele é inimigo do povo.

    Nesse tipo de discurso, quem ousar divergir ou tiver interesses contrários ao bom senso artificialmente fabricado pelos que se dizem representar a vontade popular, não merecerá estar nesta sociedade.

    Esse é o mesmo discurso de ódio pregado por alguns contra a classe média a qual foi ardilosamente estereotipada como um grupo composto por indivíduos mesquinhos, preconceituosos e que são contra a melhoria das condições de vida dos mais pobres.

    Situação estranha, uma vez que, conforme os dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos, a classe média hoje ultrapassa os 54% da população. Repetir essa manifestação encolerizada é aviltar metade dos brasileiros.

    Curioso é o fato de que muitos dos que destilam sua repulsa à classe média fazem parte dela ou de estratos superiores, mas querem ser vistos como seres distintos, pairando acima dos desvios de caráter que alegam que seus pais, amigos e familiares possuem.

    Repudiar a própria classe social seria algo como uma tentativa de purificação, não fosse o fato de que continuam usufruindo de todos os benefícios e conforto que a renda lhes proporciona.

    O discurso de ódio promovido por esses grupos ilusoriamente democráticos também é aplicado para incitar tensões com relação a gênero, raça, origem etc. de maneira que somente suas posições sejam reconhecidas como benéficas e moralmente corretas, desqualificando divergências.

    Essa desqualificação é feita denegrindo e ridicularizando os opositores, para estereotipá-los e serem considerados figuras indesejadas e sem direito à livre expressão.

    Uma mulher negra e nordestina que apoie propostas contrárias àquelas do partido que se arvora como defensor das minorias só pode ser uma traidora. Ela não faz mais parte do povo.

    Esta situação é gerada pelo maniqueísmo partidário, pois necessita dividir a sociedade entre oprimidos e opressores para poder pavimentar seu caminho ao poder em nome da justiça social.

    A desonestidade intelectual faz com que se construam discursos sem a preocupação com a validade da argumentação dos debatedores, pois parte-se do princípio de que o mais importante não é se chegar na verdade, mas impor os próprios pontos de vista.

    Na história inúmeras lutas fraticidas eclodiram em nome da justiça social e provocaram milhões de mortes, assemelhando-se mais a expurgos rancorosos do que a efetivos projetos de aperfeiçoamento da sociedade.

    A falácia argumentativa que camufla o totalitarismo é um problema real no Brasil, pois pode ser utilizada para induzir a formação de um pensamento hegemônico a fim de que seus idealizadores sejam reconhecidos como detentores de virtudes e tenham o apoio popular para usar a força para oprimir as vozes discordantes.

    É possível mudarmos essa tendência começando por nós mesmos, refletindo sobre a fundamentação dos discursos que estamos usando para defender posições. Ao invés de se criticar pessoas (falácia "ad hominem") e ignorar os argumentos do atacado pela suposição de que provêm de uma fonte indigna, que se critiquem racionalmente os fatos e argumentos, para se testar a real consistência do próprio discurso.

    MARCO ANTONIO F. MILANI FILHO, 46, é economista, pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor da Unicamp

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