• Opinião

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    Pedro Mancuso, José Roberto Blum e Doron Grull: A crise da água e a água da crise

    06/12/2014 02h00

    Os baixos índices de precipitação de chuvas no Estado de São Paulo vem colocando em risco de forma preocupante os sistemas de abastecimento de água potável do Estado.

    Esse fato, que está sendo denominado pelos meios de comunicação como "a crise da água", deixa clara a vulnerabilidade dos mananciais, em particular na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP).

    Na atual situação, a discussão do conceito de segurança hídrica passou a permear e preocupar todos os setores da sociedade: Até que ponto os atuais oito sistemas de abastecimento garantem a necessária segurança hídrica na RMSP? Temos risco de saúde pública?

    Historicamente, os surtos de doenças de veiculação hídrica foram afastados da região a partir da implantação gradativa do saneamento básico, simplificadamente aqui definido como sistemas de água e de esgoto sanitário, que procurou acompanhar o crescimento demográfico da região criando barreiras sanitárias entre as doenças e os indivíduos.

    Entretanto, o extraordinário crescimento demográfico da região não se deu de forma uniforme e espacialmente distribuída. Pelo contrário, a ocupação humana privilegiou o entorno dos diversos mananciais de forma desigual, desordenada e descontrolada, propiciando uma crescente dificuldade nos processos de potabilização de água utilizados, podendo comprometer essas barreiras sanitárias.

    Apesar da água produzida pelos sistemas de tratamento ainda ter sua qualidade dentro dos padrões exigidos pela legislação brasileira, na medida em que a poluição desses mananciais se concentra por efeito de uma insuficiente diluição, esses sistemas poderão ter extrema dificuldade de produzir água potável nos padrões exigidos pelas leis brasileiras.

    A curto prazo, o que resta para ser usada é "a água da crise", ou seja: o volume morto de alguns lagos do Sistema Cantareira, o remanescente dos demais mananciais, água subsuperficial, corpos de água superficiais ainda não utilizados e os efluentes tratados das estações de tratamento de esgotos da RMSP.

    A utilização da água da reserva técnica, é compatível com a estação de tratamento existente, que tem capacidade de aumentar a dosagem dos produtos químicos convencionais que usa em situação normal.

    Com relação ao remanescente dos demais sistemas, os que mais podem ser impactados qualitativamente são o Baixo Cotia e o Guarapiranga. O primeiro contribui muito pouco para o montante distribuído mas o segundo bastante: cerca de 19% de toda água distribuída na região. Além disso, este último é aquele cujo entorno é o mais ocupado.

    Como essa ocupação não é recente, a estação de tratamento incorporou alguns processos químicos não usados nas demais estações. Entretanto, com a falta de chuvas, os poluentes e contaminantes presentes vem se concentrando, podendo causar grandes dificuldades no tratamento.

    A utilização da água subsuperficial já tem sido bastante praticada na região por meio de poços oficialmente homologados e por clandestinos. De forma geral qualitativamente suas águas são boas havendo, entretanto, regiões onde existem contaminações industriais.

    Finalmente, alguns corpos de água superficiais e os efluentes tratados das estações de tratamento de esgoto são provenientes de sistemas de tratamento biológicos extremamente modernos, e podem ter sua qualidade ainda aumentada pela inclusão de processos complementares. Assim sendo, a qualidade dessas águas pode ser ajustada para a recuperação de qualquer corpo de água superficial, de acordo com a legislação vigente.

    Essa prática, recentemente anunciada pelo governo do Estado de São Paulo, vem sendo utilizada em inúmeras regiões do mundo, entre elas Califórnia, Texas e Paris. Com isso, o esgoto depois de tratado não será mais descartado, preservando-se um enorme investimento feito, recuperando os corpos de água superficiais da região.

    Com essa medida, que vendo sendo propugnada por setores técnicos e acadêmicos há alguns anos, inicia-se no Brasil uma nova fase no saneamento básico, aumentando-se a segurança hídrica da região.

    PEDRO MANCUSO, 72, é professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
    JOSÉ ROBERTO COPPINI BLUM, 69, é químico e consultor em saneamento ambiental
    DORON GRULL, 68, é engenheiro civil e consultor em saneamento ambiental

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