• Opinião

    Tuesday, 25-Jun-2024 23:16:27 -03

    Osvaldo Ferreira Valente: A crise da água e as soluções utópicas

    16/12/2014 02h00

    Quando um assunto vira moda, ou preocupação, como no caso atual da falta de água, sempre aparecem as soluções salvadoras da pátria.

    E as discussões tornam-se superficiais, pois as opiniões deixam de proceder somente de especialistas na área e passam a ser expressas por curiosos.

    Surgem, daí, as receitas que não têm os ingredientes necessários para ser implementadas.

    As bacias hidrográficas que sustentam os mananciais de abastecimento da região Sudeste passaram, do século passada até agora, por uma ocupação populacional acelerada e, consequentemente, pela degradação acentuada dos ecossistemas naturais que nelas predominavam há um século.

    Já os ecossistemas rurais e urbanos, com apoio de novas tecnologias, avançaram sobre áreas anteriormente inacessíveis. Se tecnologias ajudaram a degradar, outras soluções tecnológicas devem suprir o papel que era exercido pelo meio ambiente mais natural.

    Um pouco de pragmatismo fará muito bem.

    O Sudeste, no olho da seca mais badalada, tinha, em 1910, população aproximada de 10 milhões de habitantes e uma cobertura florestal de 50 a 60%.

    Hoje a população chega a 90 milhões e a cobertura florestal está em 25 a 30%. E só não houve maior redução por causa das regiões serranas, com altas declividades e solos muito rasos, que impedem ou dificultam a exploração e/ou ocupação.

    É possível voltar às coberturas florestais de 1910? Não, pois a população está crescendo e aumentando a pressão sobre as áreas.

    A primeira utopia, portanto, é acreditar e pregar uma recuperação da capacidade de produção de água das bacias hidrográficas da região por meio apenas de reflorestamentos, que só surtiriam efeito se pudessem abranger grandes áreas.

    Mas o provável é que o aumento da cobertura florestal venha somente pela aplicação do novo Código Florestal, que dificilmente passará de um acréscimo de 10% sobre os valores atuais.

    Acréscimo devido à implantação de matas ciliares e de reservas legais. Estas últimas em propriedades rurais com mais de quatro módulos Fiscais, pois às menores fica apenas a responsabilidade de conservarem o que já têm.

    A obrigatoriedade das matas ciliares (pelo novo Código Florestal) leva à segunda utopia, ou seja, à crença de que são elas as únicas responsáveis pela recarga de aquíferos mantenedores de nascentes e córregos, quando essa obrigação é de todas as superfícies das pequenas bacias.

    E as áreas ciliares, mesmo aplicando com rigor o novo Código Florestal, não representarão nem 10% dessas superfícies, percentagem muito pequena para recarregar satisfatoriamente os aquíferos; aqueles que irão garantir vazões de estiagens e que se estendem abaixo de outras áreas das pequenas bacias.

    Esta esperança utópica é citada constantemente como medida eficaz para combater escassez de água aqui ou ali, mas só trará frustrações, colocando sobre a mata ciliar uma tarefa que ela não conseguirá cumprir, apesar de sua importância ambiental na entrega de outros benefícios.

    Deixando de lado as utopias e pensando racionalmente, precisamos de colocar a água como prioridade administrativa; reconhecer a necessidade de planejar pequenas bacias para produção de água; e aceitar que não há outra saída senão adotar o abastecimento artificial de aquíferos (para ajudar o processo natural) por meio de terraceamentos, caixas de retenção de enxurradas, cisternas de infiltração junto às residências, drenagens pluviais com tubulações porosas, pavimentações permeáveis e muitas outras. Ajudadas, também, pela diminuição dos desperdícios, pela coleta de água de chuva e pelo reúso.

    OSVALDO FERREIRA VALENTE, 73, é engenheiro florestal, professor aposentado da Universidade Federal de Viçosa e especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas

    *

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024