• Opinião

    Sunday, 19-May-2024 20:42:11 -03

    Claudio Weber Abramo: Governança na Petrobras

    21/12/2014 02h00

    Em discurso por ocasião de sua diplomação como presidente eleita, Dilma Rousseff declarou que se implantará na Petrobras "a mais eficiente estrutura de governança e de controle que uma estatal já teve".
    Já se havia anunciado a criação de uma diretoria de governança para a empresa. Candidatos ao posto estão sendo selecionados.

    Como é de interesse público que a Petrobras passe a contar com mecanismos de prevenção e controle onde antes inexistiam, há considerações que deveriam ser contempladas por aqueles que decidirão sobre poderes e orçamento da nova diretoria e sobre a escolha de quem a encabeçará.

    Antes de qualquer outra coisa, a gestão de toda estrutura é incompatível com o loteamento político. Caso não se interrompa a distribuição de cargos da estatal entre partidos, o órgão de controle nunca terá força para suplantar os interesses deletérios que são a razão de ser do próprio loteamento.

    A nova diretoria precisa contar com poderes para impor modificações administrativas ao resto da estrutura. Reformas exigem grande esforço, envolvendo, entre outros aspectos, a demolição de feudos internos criados pela complacência da cúpula.

    Prevenção e controle não se exercem por meio de intenções abstratas e autodeclarações de integridade. Isso não tem efeito caso os procedimentos não sejam administrados. O problema da Petrobras não será enfrentado com as trivialidades do "compliance" –programas de integridade– advocatício-corporativo.

    Há princípios gerais que devem governar o controle. A boa governança deve perseguir o aumento da eficiência de alocação de recursos por meio da prevenção ao desperdício, o que se faz pelo aperfeiçoamento dos processos decisórios.

    Como é óbvio, as decisões mais relevantes englobam compras. Intervenções saneadoras precisam começar por estas. O regulamento de licitações da Petrobras é notoriamente permissivo, prestando-se a direcionamento.

    O ideal seria que esse regulamento fosse alterado, mas ainda que isso não venha a acontecer é possível usar as regras existentes para reduzir a discricionariedade dos gestores internos e ampliar a participação de interessados em vender bens e serviços à Petrobras.

    Ainda nesse território, os contratos que a Petrobras firma com seus fornecedores não podem deixar espaço para arbitrariedades dos gestores, pois isso é sempre usado para achaques. A estatal precisa dispor de mecanismos de contestação administrativa de decisões que minimizem essas oportunidades.

    A qualidade dos processos decisórios depende de dois fatores: robustez da informação que alimenta as decisões e crítica às decisões atingidas. O escândalo do petrolão demonstrou que a estatal falha em ambos.

    A informação relevante para uma decisão é atual e abrangente? Por exemplo: para informar aquisições, há atualização dos preços praticados no mercado (não de preços ofertados pelos interessados em vender à Petrobras, mas efetivamente praticados entre diferentes vendedores e compradores)?

    Em mercados sujeitos a cartelização (como é o caso), a empresa dispõe de processos analítico-estatísticos voltados para a identificação dos sinais de que pode estar havendo conluio para a formação de preços? Há rotação de vencedores de contratos? Há sinais de "troca de chumbo" por meio de subcontratações?

    A supervisão de decisões é aspecto central. Em princípio ninguém deveria poder decidir individualmente. Na prática, é impossível concretizar o exercício crítico permanente para todas as decisões, mas isso deve ser instituído no mínimo para aquelas que têm impacto econômico relevante. Para as demais, auditorias aleatórias precisam ser frequentes e sua publicidade deve ser assegurada.

    Em suma, a melhoria da governança da Petrobras só poderá ser atingida focalizando-se os procedimentos concretos de gestão. Essa é a atitude que se espera da nova diretoria de governança.

    Claudia Liz
    Ilustração - Tendências e Debates de 21 de dezembro de 2014
    Ilustração - Tendências e Debates de 21 de dezembro de 2014

    CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção

    *

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024