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    Programa anticrack De Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, tem tido êxito? Sim

    27/12/2014 02h00

    ANTONIO LANCETTI: SOLUÇÃO INICIAL

    O programa De Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, não é a solução final, mas a solução inicial.

    Baseado em uma imersão na realidade da maior cena de uso de crack do Brasil, em experiências internacionais exitosas como as Housing First americanas e canadenses, em ações integradas e em uma metodologia complexa, o programa está abrindo o sulco para lavrar novos caminhos no enfrentamento do consumo de crack e de outras drogas em cenas de uso abertas conhecidas como cracolândias.

    A pesquisa nacional sobre uso de crack no Brasil publicada em 2014 pela Fiocruz constatou que 80% dos 30 mil usuários pesquisados em 26 capitais são negros ou pardos, 80% são homens, 80% não chegaram ao ensino médio, 50 % estiveram presos. Em média, têm 28 anos e usam a droga há 10. Entre as mulheres, 50% têm filhos ou se prostituem.

    A pesquisa construída no dia a dia pelos trabalhadores do "De Braços Abertos" está desbravando biografias estarrecedoras e provocando mudanças insólitas.

    Ao oferecer moradia nos hotéis da região, alimentação e trabalho –inicialmente na varrição com o método denominado "low threshold" (baixa exigência e preparo)–, o programa partiu de evidências empíricas.

    O nome De Braços Abertos foi escolhido em assembleia realizada no ponto de apoio criado bem antes da desmontagem da favela, com participação dos próprios usuários em 14 de janeiro de 2014, o que demonstra a produção de novas sociabilidades na região.

    Atualmente o programa tem cerca de 500 pessoas atendidas, das quais 50 já estão morando com suas famílias, cerca de 20 estão empregadas com carteira assinada e 42 passaram por cursos de capacitação e estão trabalhando na Fábrica Verde, onde produzem plantas.

    Todas as mulheres estão sendo acompanhadas por equipe ginecológica. Antes ninguém ia ao dentista, frequentemente arrancavam-se os dentes com alicate. Desde que a saúde bucal adotou a lógica da redução de danos, já foram realizados 657 atendimentos.

    Os 59 casos de tuberculose diagnosticados estão sendo acompanhados, 89 pessoas são atendidas nos CAPs (Centros de Atenção Psicossocial) e dez adolescentes e cinco adultos moram nas Unidades de Acolhimento do centro e outros nas 22 moradias da cidade.

    Finalmente vemos a construção de um trabalho em rede que se expande com ações multiculturais e de requalificação do espaço urbano.

    O programa não é focado na droga, mas nas subjetividades. A adesão aos tratamentos aumentou e o consumo diminuiu. Como este jornal já constatou em reportagem, o dinheiro recebido semanalmente pelos usuários é utilizado para adquirir artigos de higiene, roupas ou para frequentar locais públicos.

    O De Braços Abertos criou um fluxo no fluxo –como é conhecido o local de uso– e outra perspectiva temporal na existência de cada beneficiário, diferente do tempo repetitivo da droga.

    A cracolândia paulistana é a mais complexa do Brasil, pois depois de tanta repressão, os frequentadores perderam o respeito. Fumam às vistas de qualquer um e é difícil encontrar quem não tenha sido internado voluntária ou involuntariamente.

    Recentemente, um novo grupo de quase 300 pessoas, novas na região, instalou-se no local em barracas móveis, pois todo dia são retiradas do local para limpeza.

    Frente aos novos desafios, é mister lembrar que as intervenções do tipo "solução final", como as internações forçadas e os encarceramentos, foram condenadas pela ONU e já demonstraram seu fracasso.

    Cuidar com dignidade dos mais difíceis é uma tarefa vital para a democracia. Que os amantes da paz e da liberdade possam desejar um bom primeiro ano de vida de braços e mentes abertas.

    ANTONIO LANCETTI, 65, psicanalista, é consultor do programa De Braços Abertos e supervisor das equipes de atendimento de álcool e drogas de São Bernardo do Campo (SP). É autor de "Clinica Peripatética" (Hucitec)

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