• Opinião

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    Sidarta Ribeiro, Luís Fernando Tófoli e Cristiano Maronna: Maconha também é remédio

    14/01/2015 02h00

    Vimos em 2014 uma mudança substancial no cenário em torno de uma importante pauta da política de drogas. A maconha medicinal e a luta de pacientes para obtê-la ocuparam o noticiário, a cada momento com uma notícia diferente.

    Em dezembro, o Conselho Federal de Medicina (CFM) lançou uma resolução regulamentando a prescrição médica do canabidiol, substância derivada da maconha que tem sido usada para tratamento médico. No mesmo dia, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal apresentou uma ação civil pública pedindo a liberação do uso medicinal e científico da Cannabis.

    No dia seguinte, divulgou-se a criação da Ama-me (Associação Brasileira dos Pacientes de Cannabis Medicinal).

    O tema entrou na agenda a partir da mobilização em torno de casos como os retratados na campanha Repense e no documentário "Ilegal". Logo após o lançamento do filme, em outubro, foi expedida uma das primeiras autorizações judiciais para importação de remédio à base de maconha, diante da demora irrazoável da Anvisa em fazê-lo. Outras não tardaram a vir.

    Enquanto o CFM fala apenas em prescrição de canabidiol para menores de 18 anos que sofrem com epilepsias refratárias, a ação dos procuradores do Distrito Federal vai além. Mencionam tanto a regulação do uso de THC, outra substância derivada da Cannabis, como a autorização de importação de sementes para autocultivo e uso terapêutico.

    Essa diferença esconde uma brutal luta política pelo controle desse rico mercado, opondo o uso do canabidiol somente como substância pura à prescrição in natura da planta, seja inalada ou ingerida, também com efeito medicinal. Os defensores do "canabidiol puro" diferenciam esse canabinoide, que chamam de remédio, de outros, que associam aos conhecidos efeitos da maconha, que chamam de droga.

    Diferentemente da regulação proposta pelo CFM, a ação do MPF do Distrito Federal reconhece o potencial holístico da Cannabis como remédio. Ela não restringe a prescrição médica, nem determina o perfil do paciente, respeitando a liberdade do médico em seu exercício profissional.

    A ação também reconhece a necessidade de definir nossa política de drogas com base em conhecimento científico, melhor caminho para desmistificar o tema.

    Cita, nesse sentido, estudos sobre o potencial terapêutico da maconha em casos que vão além da epilepsia refratária, incluindo dores crônicas ou neuropáticas e a esclerose múltipla, bem como o uso da planta para a diminuição dos efeitos colaterais decorrentes de quimioterapia em casos de câncer.

    Os procuradores tocaram em um ponto nevrálgico: o sofrimento dos que esperam tratamento. Chamam atenção para a demora indevida do governo federal em regulamentar o uso medicinal da maconha e para a falta de incentivo à pesquisa.

    Decisões judiciais recentes, como a restrição a propagandas de cerveja e de vinho, mostram que é possível regular responsavelmente substâncias no Brasil, contrariando os céticos e apontando para o bom senso.

    Está agendada para esta quarta-feira (14) uma nova reunião sobre o tema na Anvisa. Esperamos que rostos e histórias povoem a mente dos tomadores de decisão, e não os cifrões provenientes da venda de remédios. Que se reconheça, como já feito corajosamente pelo MPF do Distrito Federal, que maconha é remédio e que não pode ser negada a quem precisa.

    SIDARTA RIBEIRO, 43, neurocientista, é professor titular na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde dirige o Instituto do Cérebro
    LUÍS FERNANDO TÓFOLI, 42, médico, é professor de psiquiatria na Unicamp
    CRISTIANO MARONNA, 45, advogado, é vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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