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    Jack Terpins: Somos todos humanos

    27/01/2015 02h00

    Yohan Cohen e Yoav Hattab, os dois jovens assassinados no atentado ao mercado judaico parisiense, não conheciam Anne Frank, mas sabiam de sua existência por livros, relatos e outros documentos sobre a Segunda Guerra Mundial.

    Passados mais de 70 anos entre um episódio e outro, afirmamos que Yohan, Yoav e Anne tinham em comum algo mais do que a juventude: o fato de serem judeus. Foram alvejados pelo antissemitismo, cada vez mais evidente e temeroso, sobretudo na Europa, berço da civilização ocidental e onde floresceram as mais vibrantes correntes do pensamento libertário, haja visto a França erigida sob a tríade: Fraternité, Égalité, Liberté!

    Na Alemanha nazista que instilava o ódio e apregoava a superioridade racial de um grupo em detrimento aos outros, testemunhamos o mesmo tipo de crimes. E, nos dias atuais, a nação alemã vê com preocupação o surgimento de movimentos xenófobos e a islamofobia ganhar corpo, dividindo o país entre os defensores do mosaico étnico e religioso e aqueles que ainda compartilham de um nacionalismo exacerbado.

    Reduzir a pluralidade de um povo a um segmento é minimizar a riqueza cultural e incorrer no perigo de colocar todos os homens em duas fileiras só –como os soldados nazistas faziam–, extinguindo a singularidade de cada pessoa, o que a faz um ser humano único e especial.

    Yoav Hattab, 21, era um dos sete filhos do rabino-chefe de Túnis, país de maioria muçulmana sunita, e que nos últimos anos tem assistido a uma crescente emigração dos judeus.

    Recentemente, Yoav, que residia sozinho em Paris, onde seu pai o enviou para estudar, havia visitado o Estado judeu, agora sua última morada. Seu perfil na rede social, atualizado em 4 de janeiro com uma foto sua em Israel, traz a mensagem: "Le problème n'est pas Israël mais les Juifs..." ("O problema não é Israel, mas os judeus"), uma clara alusão ao preconceito implícito nas declarações contra a política de governo israelense.

    Em 9 de janeiro, dirigiu-se ao Hyper Cacher para comprar um mimo para o anfitrião do jantar de shabat (descanso semanal religioso judaico), para o qual havia sido convidado quando foi surpreendido pelo terrorista.

    Yohan Cohen, 22, trabalhava na mercearia kosher, queria juntar um dinheiro para casar com Sharon Seb, após concluir seus estudos. Vivia em Sarcelles, a "Pequena Jerusalém". Sua família soube de sua morte pelo telefone.

    Anne Frank cogitava ser jornalista e ajudar o próximo, como descrito em seu Diário: "...Não quero que minha vida tenha sido em vão...Quero ser útil ou trazer alegria a todas as pessoas, mesmo àqueles que jamais conheci. Quero continuar vivendo depois da morte..." Anne veria a falecer em março de 1945. Ela, assim como outros, teve uma família, uma escola, amigos usurpados por uma ideologia!

    O nazismo levou consigo milhares de vidas. No entanto, mais que números, há um permanente e intensivo trabalho para transformar cada "zero à direita" em um indivíduo com nome, profissão, rosto. Recuperar cada suspiro, dor, amor, saudade e esperança.

    Em 27 de janeiro, celebramos o Dia Internacional em Memória às Vítimas do Holocausto, evocando a data em que as tropas russas libertaram Auschwitz, o mais temível campo de extermínio, pela sua alta capacidade letal.

    Passados 10 anos desde que o mundo, por meio da Organização das Nações Unidas, reconheceu a importância de celebrar a vida, destacando uma ocasião especial no calendário, vemos essa barbárie se repetir no continente europeu, fruto do fanatismo.

    Nesse sentido, o Congresso Judaico Mundial e outras instituições organizam uma cerimônia para marcar o 70º aniversário de libertação de Auschwitz. No ato estarão presentes mais de cem sobreviventes desse campo, vindos de 17 países e muitos chefes de Estados.

    Voltando aos nossos dias, vemos que os judeus não são as únicas vítimas da intransigência religiosa. Somos sacudidos pelas notícias da perseguição aos cristãos na Síria. Fotos e notas dão conta da crueldade do grupo Boko Haram, na Nigéria, e os muçulmanos fiéis à interpretação de seu código religioso também tem sofrido agressões.

    Se por um lado temos radicais que deturpam o Corão e os ensinamentos do Profeta, há os islamofóbicos, que obrigam os seguidores dessa fé a procurar proteção.

    A educação parece ser o mais duradouro e eficiente caminho para a transformação. E ela se dá por esclarecimento, exemplos e por meio da preservação da memória.

    É difícil, mas não impossível, mudar pensamentos.

    JACK TERPINS é presidente do Congresso Latino-Americano e engenheiro

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