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    Raimundo Colombo: O modelo velho morreu, o novo não nasceu

    09/02/2015 02h00

    No início de janeiro fiz a primeira reunião do meu secretariado e compartilhei com eles uma inquietação: de que forma nós, governantes, estamos contribuindo para elevar o estágio da democracia brasileira? Quem falava em estágio era James Madison, quarto presidente americano, sucessor de Thomas Jefferson.

    Ele dizia que são três os estágios evolutivos da democracia. No primeiro, os governados passam a respeitar os governantes. No segundo estágio, os governantes começam a respeitar os governados. E no terceiro estágio, mais evoluído, os governados controlam os governantes.

    O primeiro estágio se cristalizou no Brasil. A sociedade definitivamente respeita os governantes. Não que os admire, mas reconhece o papel das instituições. Quando insatisfeita, dirige-se aos governantes em busca de uma solução, não aos quartéis.

    Não vi desrespeito aos governantes nem mesmo nas manifestações de 2013. As pessoas saíram aos milhares para cobrar a classe política, houve até com certo exagero, mas sem jamais questionar o sistema instituído.

    Mas e nós governantes, estamos respeitando os governados? Ou seja, estamos trabalhando para colocar o Brasil no segundo estágio de Madison? Somos muitos governantes. Deixemos de fora da conta o Poder Judiciário. Somemos os comandantes do Poder Executivo e Legislativo.

    Entre secretários municipais, secretários estaduais, ministros de Estado, dirigentes de empresas estatais e autarquias dos três níveis de governo, prefeitos e vices, governadores e vices, vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores da República e suplentes, estamos falando de um universo que beira 200 mil pessoas. Dá quase um governante para cada grupo de 1.000 brasileiros.

    Essa multidão, a qual eu e minha equipe integramos, está comprometida em tomar decisões para efetivamente melhorar a vida da sociedade? Não tenho dúvidas de que trabalho no governo de Santa Catarina com pessoas competentes e honradas. Mais: tenho convicção de ter montado, para meu segundo mandato, um secretariado tão capaz quanto o que montei no primeiro mandato.

    Mas isso não tira de mim –de todos nós, governantes– a tarefa de enfrentar uma dura realidade: o modelo vigente está falido. Não o modelo econômico, nosso grande aliado, não a democracia, pilar de nossas instituições.

    O modelo a que me refiro é um modelo de privilégios, concentrador de renda, que precisa ser encarado de frente, pelos governantes de todo o Brasil. Costumo dizer que temos um modelo velho, que já morreu. Mas até agora não conseguimos encontrar um modelo novo que o substitua.

    Vou dar um exemplo local: a previdência pública de Santa Catarina arrecada 1,4 bilhão de reais por ano em contribuições, mas custa 3,6 bilhões de reais. Como a lei não nos permite reduzir os proventos dos 45 mil servidores aposentados, até porque não seria justo, somos obrigados a buscar 2,2 bilhões de reais em impostos. Em outras palavras, tributamos cada família catarinense em 1.400 reais por ano para cobrir apenas esse rombo. E isso é justo?

    E a cilada em que nos envolvemos por força da lei nº 8.666, que obriga a contratar pelo menor preço? A empreiteira vencedora se oferece para executar a obra por um preço baixo e depois apresenta uma conta extra com aditivos que jogam o preço final nas alturas.

    Se o governo aceitar o jogo, vira cúmplice de um assalto aos cofres públicos. Se resolve rescindir o contrato, a lei manda convocar o segundo colocado, desde que aceite concluir a obra pelo preço original inexequível. É justo isso?

    Gosto de recorrer a exemplos concretos para evidenciar a necessidade de mudanças. Durante meu primeiro mandato, fui a uma solenidade de entrega de ambulâncias a um município catarinense. No discurso, para espanto dos presentes, comentei que os veículos poderiam ter sido entregues um ano antes. Não foram porque a montadora que ficou em segundo lugar entrou na Justiça e, ainda que no final tenha sido derrotada, o processo só pode ser concluído após a decisão dos tribunais.

    Quem perdeu com isso? O Poder Judiciário? O Poder Executivo? O Poder Legislativo? Não. Perdeu a comunidade humilde que ficou um ano sem as ambulâncias.

    Claro que há formas de lidar com isso pontualmente, mas o modelo está bichado e a sociedade paga um preço alto pela ineficiência. Não é à toa que faltam recursos para investir em saúde, educação e segurança. As eleições ficaram para trás, oposição e situação vão se organizar para atingir seus objetivos políticos. Não podemos permitir, no entanto, que as brigas se sobreponham às necessidades de mudanças.

    É hora de sentarmos à mesa com um papel em branco e tomarmos medidas essenciais no Brasil. Há medidas no âmbito federal, medidas estaduais e outras municipais. Ou fazemos isso, atingimos o segundo estágio de Madison e partimos para o terceiro estágio ou continuaremos a ser o país do futuro –o futuro que não chega nunca.

    RAIMUNDO COLOMBO, 59, é governador de Santa Catarina (PSD)

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