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    Devido à crise hídrica, Carnaval deste ano em São Paulo deve ser cancelado? Não

    07/02/2015 02h00

    NABIL BONDUKI: SERIEDADE PARA ENFRENTAR A CRISE HÍDRICA

    A crise hídrica que vivemos é gravíssima e exige medidas urgentes do governo do Estado –responsável pela gestão dos recursos hídricos e pelos serviços de saneamento em São Paulo– que, há pelo menos um ano, já deveria ter agido de forma muito mais contundente do que fez para enfrentar o cada vez mais dramático problema.

    De todas as providências que poderiam ser tomadas, não existe nenhuma tão descabida e inócua do que a proposta de cancelar o Carnaval em São Paulo. A ideia carece de fundamento técnico e em nada contribuiria para a economia de água.

    O Carnaval mobiliza basicamente foliões que já são moradores da Região Metropolitana, cidadãos que já consomem água dos sistemas que abastecem a cidade.

    Pesquisa realizada pela SPTuris nos desfiles do Carnaval do sambódromo do Anhembi, em 2013, mostrou que do público de 110 mil pessoas presentes, apenas 1,9% (2,2 mil pessoas) são estrangeiros e 13,1% (14,3 mil pessoas) são turistas de fora da região, somando 16,5 mil pessoas, um acréscimo de insignificantes 0,08% na população de 20 milhões de habitantes.

    Embora essas 16,5 mil pessoas (muitas do interior do Estado, também abastecidas pelo sistema Cantareira) sejam relevantes para movimentar a economia de serviços da cidade, em especial para os setores hoteleiro e gastronômico, aumentam pouco o consumo de água.

    No que se refere ao Carnaval de rua, a ideia é inócua e inaplicável. Além dos foliões serem quase que exclusivamente moradores dessa mesma região, essa forma de brincar o Carnaval não pode ser cancelada por decreto. Ou quer o vereador Gilberto Natalini (PV) que se use força policial para impedir a população da cidade de brincar o Carnaval? Os cerca de 300 blocos que deverão sair às ruas nesse período são espontâneos e se organizam independentemente da prefeitura.

    A municipalidade atua apenas para minimizar o impacto e ordenar essas manifestações populares, buscando compatibilizar a alegria dos foliões com o necessário direito ao descanso de moradores que não participam da atividade.

    Neste ano, a prefeitura ampliou a infraestrutura, com mais banheiros químicos, serviços de emergência médica e interdição de vias, estabeleceu horários para o encerramento e dispersão dos blocos (respectivamente às 22h e às 24h) e organizou melhor os percursos para não obstruir o transporte coletivo e as ambulâncias.

    Na limpeza das ruas e do sambódromo, feita após a passagem dos blocos e das escolas de samba, será utilizada água de reúso como já é prática da prefeitura.

    Os banheiros químicos não usam água; os do sambódromo foram regulados para economizar, reduzindo-se a pressão das torneiras e o gasto de água das privadas. Quem usar os banheiros disponíveis para o Carnaval provavelmente gastará menos água do que faria em casa! Ou quer ainda o vereador, também por decreto, que se proíba os paulistanos de irem ao banheiro?

    Em vez de proibir o Carnaval, devemos atuar em educação ambiental para difundir o uso racional da água, ao contrário do que fez a Sabesp antes de a crise tomar forma de calamidade pública. Interessada em vender mais água aos consumidores, a empresa não se empenhou o necessário para a conscientização de que a água é um recurso escasso.

    Como o Carnaval em nosso país, as manifestações culturais e festas tradicionais são uma excelente forma de narrar, com arte e linguagem lúdica e acessível, problemas sociais, ambientais e urbanos, difundindo mensagens de cidadania. A crise hídrica já é, neste ano, tema de marchinhas e brincadeiras que tomam as ruas da cidade.

    NABIL BONBUKI, 59, professor de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é secretário municipal de Cultura em São Paulo

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