• Opinião

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    Antonio Matias: Educação integral para todos, transformar sonho em realidade

    16/02/2015 02h00

    O Plano Nacional de Educação estabelece o objetivo de se chegar a 50% das escolas e 25% dos alunos da educação básica até 2024, com oferta de ensino em tempo integral. A meta seis do Plano fala em aumentar o tempo de exposição dos alunos a situações de aprendizagem e ampliar seu repertório sociocultural por meio de atividades ligadas à arte, cultura, ciência, tecnologia e esporte, em articulação com a comunidade e as famílias. Esse desafio requer uma estrutura da qual os governos hoje não dispõem e pressupõe enormes desafios técnicos e orçamentários.

    O número de escolas e docentes é claramente insuficiente para dar resposta ao aumento da demanda que temos pela frente, bem como a formação dos gestores para implantar projetos de educação integral, que ofereçam formação plena em todo o país. É consenso, entretanto, que a proposta deve avançar se quisermos de fato imprimir melhorias significativas à qualidade do ensino no Brasil.

    A questão que devemos encarar é que não é possível que gerações sucessivas sofram pela falta de condições para uma educação de melhor qualidade. A resolução desta equação passa pela vontade política de se dar dramática prioridade à Educação. Assumida essa prioridade, um dos caminhos é a busca de parcerias do Estado com a iniciativa privada e a sociedade civil, como já vem acontecendo no Brasil e em outras partes do mundo, onde organizações não governamentais ocupam papel de destaque na educação de crianças e jovens.

    Nos EUA, um exemplo interessante vem da "Every Hour Counts" (do inglês toda hora conta) –iniciativa que apoia cidades nos seus esforços locais de ampliar as oportunidades de aprendizagens de crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social, por meio da construção de redes colaborativas entre organizações da sociedade civil e governos.

    A bandeira por trás desse movimento é o da promoção da equidade. Estima-se que cerca de 18 milhões de estudantes norte-americanos não dispõem de orçamento familiar para bancar atividades extracurriculares, o "after-school" (do inglês pós-escola). Por outro lado, avaliações no país tem mostrado como a exposição a essas oportunidades faz a diferença no desenvolvimento das crianças e jovens.

    Frente a esse desafio, cidades americanas têm se mobilizado para coordenar de forma mais sistêmica a sua oferta de educação integral. A atuação local em rede possibilita um trabalho mais coordenado em áreas estratégicas como mapeamento de demanda e oferta, formação dos educadores e gestores, monitoramento e avaliação, articulação entre sociedade civil e o poder público.

    Cada cidade define suas prioridades e forma de atuação, mas os propósitos tendem a ser os mesmos: melhoria da qualidade dos programas e maior integração entre as ONGs, que oferecem o "after-school", e as escolas públicas.

    Cidades nas mais diversas regiões do país, como Boston, Nova York, Denver, New Orleans, São Francisco e Oakland já se organizaram nesse sentido, e a tendência já começa a aparecer em cidades menores. Mais recentemente, outros países, como França e Dinamarca, têm implementado iniciativas que investem na parceria das suas escolas públicas com organizações locais, como estratégia para ampliação da aprendizagem.

    No Brasil, há um amplo e diverso conjunto de organizações sociais em todas as regiões que já vêm atuando em parceria com escolas públicas para oferecer atividades socioeducativas a crianças e adolescentes. O desafio é incorporá-las ao sistema educacional, de forma a potencializar e ampliar os resultados pedagógicos dessa atuação. Em algumas cidades já podemos encontrar experiências exitosas, que podem servir de inspiração a outros gestores e educadores.

    O projeto de promover a qualidade da educação não pode prescindir de nenhum empenho e depende do compromisso de toda a sociedade. As boas práticas adotadas isoladamente podem ser exemplos e servir de inspiração para desenvolver soluções em cada localidade brasileira.

    Estudos recentes apontam o grande potencial a ser explorado a partir do investimento em programas e projetos de educação integral para superar desigualdades no aprendizado, inclusive entre estudantes que estão na mesma sala, na mesma escola e na mesma rede.

    Estudos também mostram que experiências educativas realizadas com apoio de ONGs em parceria com a escola podem ajudar a mudar práticas que criam boas condições para o aprendizado e melhoram significativamente o sucesso escolar, além de auxiliar os alunos a desenvolver habilidades intelectuais, competências sociais e emocionais. Para isso, é necessário que sejam implantadas de forma planejada, intencional e que persistam ao longo do tempo.

    Para os que relutam em abraçar a ideia das parcerias, o exemplo norte-americano é mais que salutar. Ele mostra que mesmo em países ricos o Estado não recusa a colaboração da sociedade civil para implementar melhorias na educação. No Brasil, onde as restrições orçamentárias serão crescentes, não pode ser diferente.

    É hora de unir esforços para que a educação integral deixe de ser uma mera intenção e não se torne um daqueles planos que não saem do papel. Os milhões de brasileiros que esperam por uma educação de qualidade merecem esta consideração.

    ANTONIO MATIAS é vice-presidente da Fundação Itaú Social e membro do conselho de governança do movimento Todos pela Educação e do conselho de orientação estratégica do Ceats - Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da USP

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