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    Carlos Bezerra Jr : Esquema novo no samba?

    20/02/2015 02h00

    Foi coroado com o prêmio de campeã do Carnaval do Rio de Janeiro o deboche do financiamento da Guiné Equatorial à Beija Flor, assunto que tomou o lugar do tradicional noticiário internacional sobre a "maior festa popular do planeta".

    Diz-se que a agremiação teria recebido R$ 10 milhões de uma das ditaduras mais cruéis e desiguais do planeta. A escola confirma a doação mas não o montante, a embaixada do país nega e, no frigir dos ovos, foi esse o preço para colar a imagem do Brasil à polêmica.

    Seria cômico, se não fosse trágico, nós decidirmos sambar ao som do dinheiro do ditador Teodoro Obiang justamente no momento em que o país faz um esforço internacional gigantesco para assumir liderança mundial e mostrar que combate a desigualdade.

    Segundo o Banco Mundial, Guiné Equatorial tem a maior renda per capita da África, o dobro da brasileira, semelhante à de Portugal e Grécia, mas 76,8% do povo vivem abaixo da linha da pobreza. A mortalidade infantil é 30 vezes maior que a de países com a mesma renda, a escolaridade baixa vem caindo, a expectativa de vida é medieval, 53 anos. O país está na rota de origem e destino de tráfico de crianças e mulheres, principalmente para escravidão sexual.

    Não falo aqui do estereótipo preconceituoso do "ditador africano", mas de um ditador específico que persiste há 35 anos no poder à base da força, com julgamentos sumários e tortura denunciados à exaustão por entidades internacionais de direitos humanos, sentado sobre a fortuna da terceira maior produção de petróleo da África.

    Teodorín Obiang, o filho, aquele saudado efusivamente pela rainha de bateria da campeã Beija-Flor, é processado por lavagem de dinheiro na França e Estados Unidos, tem patrimônio milionário no Brasil e uma das explicações para não ter sido punido ainda é a imunidade diplomática que lhe garante o cargo, criado providencialmente pelo pai, de segundo vice-presidente da Guiné Equatorial.

    É constrangedor tentar fingir que apenas a escola de samba é culpada, um país é julgado pela forma como conduz e deixa conduzir seus grandes eventos, o mais básico é que eles não sejam erguidos sobre fome e sangue.

    As celebridades que desfilaram na agremiação, entrevistadas por esta Folha, tiveram a vergonhosa reação de se esquivar do tema, como se não tivessem deliberadamente escolhido participar desse espetáculo bizarro quando tinham o dever de resistir e proteger pelo menos a própria imagem. Pior, agora pulam sorridentes comemorando a vitória.

    A Anistia Internacional se manifestou contra o patrocínio, pedindo que o Rio de Janeiro adote transparência no próximo grande evento, a organização das Olimpíadas de 2016. É irracional mobilizar o país em torno de eventos que deveriam melhorar a imagem do Brasil e ter como resultado um bombardeio de acusações a financiamentos mais que suspeitos.

    Falar bonito não é suficiente para um país que pretende se colocar como protagonista mundial pelo fim da desigualdade e o respeito aos direitos humanos. Quem lava as mãos não tem lugar nesse enredo.

    A imprensa internacional já retrata o carnaval do Brasil, não apenas o do Rio de Janeiro, como o que premia quem samba com o dinheiro de Teodoro Obiang. Chegamos a esse ponto poucos anos depois da devassa contra o patrocínio do jogo do bicho no carnaval.

    Que providências serão tomadas? Às falas a prefeitura do Rio de Janeiro, o governo do Estado e o governo Federal, todos estranhamente calados, talvez esperando que este seja o tipo de pecado que se sepulta na quarta-feira de cinzas. Não é.

    CARLOS BEZERRA JR., 45, é deputado estadual pelo PSDB-SP e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo

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