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    Luiz Antonio Del Tedesco: O negro e o vermelho

    23/02/2015 02h00

    Em setembro passado, ao anunciar a ação conjunta de países para combater os terroristas da milícia Estado Islâmico, Barack Obama disse que "o objetivo é claro (...). Vamos enfraquecer e destruir o EI por meio de uma abrangente e contínua estratégia de contraterrorismo."

    Após seis meses, muitos se perguntam como uma coalizão de cerca de 60 nações, liderada pela maior potência militar mundial, não consegue pôr fim a essa milícia.

    Bem, ao menos em relação ao poder econômico, não é uma facção qualquer.

    O EI já é conhecido como a organização terrorista mais rica que jamais existiu.

    Sua fonte de sustentação é variada. Sequestros, extorsões, financiamento de países árabes, agricultura (40% da produção de trigo do Iraque) e até venda de órgãos humanos para transplantes, desconfia-se. Mas o grosso de sua renda (cerca de 40%) vem mesmo do petróleo.

    No Iraque e na Síria, o EI explora, respectivamente, 13 e 7 poços. Segundo estimativas, esse óleo rende, por dia, entre US$ 1,5 milhão e US$ 3 milhões à facção.

    Mas quem o compra? A resposta não é simples.

    A primeira cadeia da corrente sabe de onde vem o produto, as demais nem sempre.

    Boa parte é comprada por comerciantes locais, tratada em refinarias improvisadas e consumida pela própria população.

    Mas o EI tem também negócios com redes de contrabandistas do Curdistão, da Jordânia e da Turquia.

    A extrema porosidade da fronteira turca e canais de contrabando surgidos na época do programa da ONU Petróleo por Alimento, após a Guerra do Golfo (1990-91), facilitam a ação desses negociantes.

    Uma vez introduzido na Turquia, bruto ou já na forma de combustível, fica quase impossível rastrear a origem desse petróleo, cujo preço não atinge a metade do de mercado.

    Se chega ao porto turco de Ceyhan, no Mediterrâneo, por onde passa boa parte da produção de óleo do Golfo Pérsico, a commodity pode atingir vários outros países.

    Israel, por exemplo, já recebeu várias cargas de petróleo do Curdistão embarcadas em Ceyhan.

    No início de setembro passado, a tcheca Jana Hybaskova, embaixadora da União Europeia no Iraque, afirmou no Parlamento europeu, em Bruxelas, que, "infelizmente, países-membros da UE compram esse petróleo [do EI]". Questionada, não quis dizer que países seriam esses.

    Para alguns, foi só uma jogada para atrair a atenção para a situação na Síria e no Iraque.

    E no Brasil, é possível garantir que nosso petróleo é 100% "limpo"? Bem, o Iraque foi o nosso terceiro maior fornecedor do produto em 2014, atrás da Nigéria e da Árabia Saudita.

    Talvez haja no mundo, inadvertidamente, muito mais gente e corporações com as mãos sujas de óleo e de sangue do que podemos imaginar.

    LUIZ ANTONIO DEL TEDESCO é redator no caderno "Mundo"

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