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    Jairo Jorge: Radicalizar a democracia

    24/02/2015 02h00

    O mundo precisa de mais democracia e governança. As manifestações que sacudiram o Brasil em 2013 e multiplicaram-se nos últimos anos em outros países revelam o nascimento de uma nova cidadania, o somatório de milhares de vontades e inteligências que se multiplicam, interagem e compartilham em rede.

    O mundo vertical da comunicação de massa, da indústria cultural, da propriedade e privatização do conhecimento, da massificação e da ineficiência dos serviços públicos está dando lugar a outro, horizontal, das redes sociais, da cultura do comum, dos códigos abertos, da personalização e também da cobrança de resolutividade das políticas públicas.

    Ao mesmo tempo, assistimos a um aprofundamento do ceticismo e do desencanto; as pessoas se afastam da cena pública. As instituições, os partidos e os sistemas vigentes, que nasceram na modernidade, não conseguem catalisar o indivíduo pós-moderno, não vocalizam seus anseios e sentimentos, não conseguem construir soluções eficazes para as questões da vida.

    Neste momento, quando de um lado aflora uma nova cidadania e de outro cresce o desencanto com a política, a melhor resposta da esquerda é radicalizar a democracia e retomar sua capacidade de autocritica e de indignação.

    Precisamos dessacralizar a autoridade, aproximar mais os políticos dos cidadãos, deixando de lado a arrogância e calçando as sandálias da humildade.

    Os governos de esquerda precisam construir uma gestão focada no cidadão: a vontade popular precisa estar no centro da ação da administração. Só que vontade popular não é uma propriedade de um ou outro partido. É algo que precisamos reaprender a ouvir.

    Devemos nos conectar com os indivíduos, multiplicar os canais de participação para dar voz às críticas, às reivindicações e às ideias para melhorar os serviços públicos.

    Precisamos levar o cidadão para o centro do governo, dando poder de decisão sobre investimentos, políticas públicas e o projeto estratégico da cidade, do Estado e do país.

    Uma gestão focada no cidadão é o contraponto possível da esquerda à proposta da direita neoliberal. No chamado choque de gestão, o cidadão é transformado em mero cliente, e a eficiência e a eficácia são um fim em si mesmas, dissociadas da efetividade. O cidadão, porém, não é um simples consumidor.

    Não há mais espaço para administrações a que apenas alguns grupos têm acesso, sem espaço real para a crítica e a participação efetiva dos cidadãos. As pessoas não querem mais dar um cheque em branco aos governantes para que façam o que bem entenderem.

    Além de aprofundar a democracia, os governos de esquerda precisam avançar na gestão, inovando na forma de fazer, estabelecendo metas, buscando parcerias público-privadas, incentivando a valorização do mérito dos servidores públicos e implantando novos mecanismos de transparência, que permitam o combate sem tréguas à corrupção.

    É preciso construir um governo aberto, que não veja o conflito como problema, e sim como ponto de partida para a construção de soluções pactuadas pela sociedade. O compartilhamento do poder com todos nos possibilita criar uma nova esfera pública, mais plural e radicalmente democrática, única vacina para o ceticismo e o desencanto. Esse é um desafio que o PT precisa enfrentar, pois é capaz de vencê-lo.

    JAIRO JORGE, 51, jornalista, é prefeito de Canoas (RS) pelo PT

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