• Opinião

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    Bráulio Luna Filho: Ensino médico em crise, pacientes em risco

    06/03/2015 02h00

    O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) divulgou recentemente os resultados da décima edição de seu exame, cujas provas ocorreram em outubro último. O número de reprovados é alto e preocupante, refletindo a baixa qualidade do ensino da medicina no Estado e, quiçá, no Brasil, já que, entre 468 formandos de outras unidades federativas, o resultado foi ainda pior.

    Submeteram-se à prova 3.359 recém-formados. Dos 2.891 inscritos de São Paulo, 55% (1.589) tiveram média de acerto inferior a 60% do conteúdo apresentado. Destaque-se que o exame é composto de questões fáceis ou medianas, pela análise psicométrica clássica (Índice de Facilidade e Discriminação). Já entre os novos médicos de outros Estados, a reprovação foi de 63,2%.

    O baixo aproveitamento é ainda mais desalentador quando se considera o despreparo dos novos profissionais em áreas fundamentais como clínica médica, pediatria, ginecologia, obstetrícia e cirurgia geral. Eles mostraram ignorância em questões simples, como o atendimento inicial a vítima de acidente automobilístico ou de ferimento por arma branca, casos de pneumonia na comunidade, pancreatite aguda e colelitíase (pedra na vesícula).

    Das 42 escolas do Estado de São Paulo, 30 participaram da avaliação. As 20 piores colocações ficaram com as instituições privadas, que cobram mensalidades entre R$ 6.000 e R$ 9.000, mas não oferecem em contrapartida formação adequada àqueles que investem no sonho de ser médico. Isso é inquietante, porque a maioria desses novos graduados em breve estará na linha de frente da assistência médica em pronto-socorro e pronto atendimento. Houve um curso cujos alunos não ultrapassaram 13% de acertos.

    O exame do Cremesp não pode, por força da lei, impedir ninguém de ser médico. Por mais desqualificado que seja esse profissional, o ônus da má formação recai sobre os cidadãos. Somos nós, nossos filhos, pais, parentes e amigos que correremos risco ao sermos atendidos por um desses médicos.

    O Cremesp fará sua parte dentro do que lhe é possível.

    Os resultados são entregues individualmente e em caráter confidencial aos novos médicos. As escolas também receberão relatório detalhado sobre o desempenho de seus alunos, para que tenham a possibilidade de aperfeiçoar seus cursos.

    Os dados ainda serão disponibilizados aos ministérios da Educação e da Saúde, ao Conselho Federal de Medicina, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, ao Ministério Público e a conselhos nacionais de saúde e educação. Esperamos que cada uma dessas instâncias cumpra seu papel, intervindo e envidando esforços para mudar o atual panorama do ensino médico.

    O exame do Cremesp deixa escancarado que é inadequada a maneira como o governo avalia as escolas de medicina. A título de exemplo, a já citada escola médica que teve apenas 13% de aprovação na presente edição da prova do conselho possui resultado satisfatório no Enade, o exame que o Ministério da Educação (MEC) usa para avaliação.

    Evidentemente há pouca disposição de mudança em boa parte das escolas médicas privadas. Elas, aliás, não esboçam interesse em serem avaliadas, pois isso significaria mais investimento no corpo docente, em laboratórios e biblioteca médica. Hoje, mais de 80% dos cursos privados do Estado de São Paulo não tem hospital-escola.

    Finalizando, da mesma forma como existe avaliação obrigatória para exercer a profissão de advogado ou a de contador, propugnamos que também deva haver uma prova obrigatória para os recém-graduados em medicina. Ou as planilhas e processos são mais importantes do que a saúde e a vida? A resposta só pode ser um rotundo "não".

    BRÁULIO LUNA FILHO, 61, é presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

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