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    opinião

    Ricardo Viveiros: Carta aberta ao casal Alckmin

    10/04/2015 02h00

    No primeiro instante da notícia, o coração sente que há algo grave acontecendo, mas, por outro lado, a mente insiste em afirmar que não será o pior. Depois, vem a confirmação da morte. E com ela a pergunta: "Por que com o nosso filho?". E não há resposta. Apenas um grande silêncio tumultuado pelo som de pêsames, confortos e palpites que não resolvem absolutamente nada.

    Aparecem pessoas de todos os tipos, de tempos passados, próximas e desconhecidas, até desafetos para dizer algo bem intencionado, mas, no momento, impossível de sê-lo. Querem que aceitem o inaceitável, que não fiquem tristes, que não desistam, que sigam em frente.

    Dizem: "Vocês são fortes e vão superar". Elas não sabem que vocês não querem ser consolados, não querem ouvir nada. Vocês querem apenas sofrer em paz.

    A morte de um filho é a morte da lógica. Porque é contra a natureza, princípio de tudo. Não adianta ser instruído, culto, educado, informado ou, até mesmo, milionário ou poderoso. Na morte de um filho somos, pela única vez, iguais na dor.

    O nascimento e a morte determinam as maiores verdades da vida. A dualidade que se fará presente por toda a existência começa na alegria e acaba na tristeza.

    A única saída para que pais, com ou sem fé, adaptem-se à perda de um filho –porque aceitar não existe–, é se deixar invadir pelo mais intenso e profundo sentimento de dor. Sofram, mas sofram tudo o que podem sofrer. Vão ao fundo do poço. Depois, passado algum tempo (que é diferente para cada pessoa), retornarão à superfície em busca de luz.

    Olhem para o passado com ternura e para o futuro com esperança. Procurem amar a si mesmo e ao próximo cada dia mais um pouco. Lembrem-se de que há outras pessoas que merecem o seu amor e que desejam amá-los. Abram-se para uma dimensão maior na vida, transcendam.

    Não fiquem remexendo lembranças, construam novas ações que vão motivá-los a viver. E não se permitam isolar. Os primeiros momentos são seus, vocês precisam mesmo ficar sós. Mas, depois, aceitem a companhia, o carinho de quem mostrar sinceridade em estar perto.

    Compartilhem sem mágoa os seus sentimentos. Falem de quanto são pequenos diante do sofrimento. E cresçam.

    Por fim, é normal que vocês queiram ser os culpados pelo que aconteceu ao seu filho. Mas não são. Lutem contra esse sentimento, apaguem a ideia do "se".

    Como vocês jamais terão as respostas que procuram, sempre há espaço para reflexões equivocadas, como: "Se eu tivesse feito isso ou aquilo, ele estaria vivo". Não. Foi uma fatalidade, e elas acontecem como aconteceram as alegrias que vocês viveram juntos.

    Deixo-lhes o abraço de um pai que perdeu um filho de 26 anos e uma neta de sete meses em um acidente de carro no trânsito de São Paulo, mortos por um irresponsável. Não sei o que vocês estão sentindo, mas posso garantir que sinto essa dor. Coragem!

    RICARDO VIVIEROS, 65, jornalista e escritor, é autor de 32 livros, entre os quais "A Vila que Descobriu o Brasil" (Geração Editorial) e presidente da empresa de comunicação Ricardo Viveiros & Associados

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