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    Editorial: Vista não é veto

    18/04/2015 02h00

    O regimento interno do Supremo Tribunal Federal é bastante claro: "Se algum dos ministros pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subsequente". Em geral, uma ou duas semanas, no máximo.

    Gilmar Mendes naturalmente conhece a regra, mas dá de ombros para ela –assim como costumam fazer os membros do STF. Há mais de um ano seu pedido de vista interrompeu o julgamento sobre financiamento empresarial de campanhas eleitorais, e suas declarações recentes sugerem que o ministro não pretende liberar o processo para exame dos colegas.

    Fica suspenso, assim, um debate na prática já decidido pela maioria. Faltando apenas quatro votos, o placar está 6 a 1 a favor de proibir doações de pessoas jurídicas –interdição da qual Mendes discorda e que, para ele, só poderia ser imposta por lei aprovada no Congresso.

    Como apontaram Diego Werneck Arguelhes e Ivar A. Hartmann em artigo publicado na seção Tendências/Debates (15/4), a atitude de Mendes desvirtua um instrumento que deveria ser utilizado apenas quando o magistrado precisasse estudar um assunto de forma mais detida.

    Em vez disso, a ferramenta transformou-se num "poder unilateral de veto não previsto" pela legislação, nas palavras dos dois professores da FGV Direito Rio.

    De acordo com eles, a prática é disseminada. Nos pedidos de vista, quase 80% dos autos são devolvidos fora do prazo; o entreato, nesses casos, dura em média 443 dias.

    E mais: após analisarem dados do projeto Supremo em Números, Arguelhes e Hartmann sustentam que esse intervalo não guarda relação com carga de trabalho ou índices de eficiência dos gabinetes.

    Quanto a isso, o ministro Gilmar Mendes deu declaração esclarecedora. Pressionado por setores que defendem o fim das doações de empresas, disse não estar preocupado com a opinião pública e afirmou ser necessário que um juiz "tenha coragem de pedir vista". Ou seja, de bloquear a decisão sobre o tema.

    Pode-se, obviamente, divergir da maioria dos ministros. Diga-se, aliás, que esta Folha já argumentou que seria melhor haver um limite absoluto para as contribuições eleitorais de pessoas jurídicas; a proibição dificilmente será efetiva e pouco fará pela transparência do financiamento de campanhas.

    A posição individual de Mendes, porém, não pode prevalecer sobre a do colegiado –e não deixa de ser curioso que o ministro valorize as atribuições do Congresso, mas viole as regras do próprio STF.

    Só há uma maneira de impedir a repetição desse hábito indevido: é preciso mudar o regimento do Supremo, criando mecanismos que garantam não só a devolução dos autos no prazo mas também a pronta retomada do julgamento.

    Resta saber que ministro terá coragem de levantar essa bandeira.

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