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    opinião

    Laura Carvalho: A sinuca do ajuste para o crescimento

    24/04/2015 02h00

    Muitos defendem a ideia de que, em vez de desestimular a economia, uma contração fiscal pode aumentar o nível de confiança dos empresários e, por essa via, ajudar na recuperação do investimento e do crescimento econômico.

    Um ajuste assim facilitaria muito a vida dos ministros da Fazenda: o corte de gastos permitiria, numa só tacada, controlar a dívida pública e estimular a economia. Infelizmente, não é o que sugerem as evidências.
    Na Grécia, por exemplo, a tacada foi tão direta que encaçapou a bola branca. A economia desacelerou, prejudicando o investimento e a arrecadação de impostos, e a tal austeridade levou a dívida pública de cerca de 100% para 175% do PIB. Felizmente, nem todo ajuste é igualmente nocivo e contraproducente.

    Fica a pergunta: como reduzir o deficit fiscal sem prejudicar a retomada da economia brasileira? A única saída é o aumento da receita.

    Em vez de cortar investimentos públicos, que têm alto efeito multiplicador sobre a renda e o emprego, o esforço deve ser o de aumentar a progressividade da nossa estrutura tributária. É preciso também eliminar as desonerações de impostos, que pouco surtiram efeito, e reduzir a evasão fiscal e atos de corrupção conexos, como os desvelados na Operação Zelotes.

    Focando a estrutura tributária, um orçamento público equilibrado pode até estimular a economia, se as receitas oriundas da tributação dos mais ricos, que consomem uma parcela relativamente baixa da sua renda, for utilizada para beneficiar –direta ou indiretamente– os mais pobres, que consomem uma parte maior do que ganham.

    Ao aumentar a progressividade dos impostos, o governo é capaz de estimular o consumo das famílias, a demanda agregada e o crescimento econômico, sem gerar qualquer prejuízo às contas públicas.

    A alíquota máxima de imposto de renda no Brasil, de 27,5%, ainda é muito menor do que a verificada em países avançados (39,6% nos EUA, 45% na Inglaterra, 57% na Suécia) e nos coloca em 55º no ranking feito pela consultoria e auditoria KPMG, atrás de países como a África do Sul e o Chile, ambos com 40%.

    Dados da última Pesquisa de Orçamento Familiar (referente a 2009) indicam que a classe de renda mais alta na classificação do IBGE gasta cerca de 56% da renda total com despesas de consumo, contra uma média de 77,5% nas demais classes, e mais de 100% na classe mais pobre (de renda familiar mensal menor que R$ 840).

    Um exercício simples com esses dados sugere que se o governo aumentasse em 10% a alíquota do imposto de renda sobre essa classe mais alta, arrecadaria aos preços atuais cerca de R$ 5 bilhões a mais.

    Se destinasse metade disso a um aumento da renda dos mais pobres, seja a partir de investimentos públicos com geração de empregos, seja por meio de programas de transferência de renda, além de gerar R$ 2,5 bilhões em superavit, aumentaria o consumo total das famílias em R$ 1,9 bilhões.

    Ainda que uma parte da expansão da demanda vá para produtos importados, o aumento das vendas no varejo gera efeitos multiplicadores em diversos setores da indústria nacional e estimula o investimento para aumento da produção.

    Se somássemos a isso a criação de um imposto sobre grandes fortunas e a federalização, com eventual aumento, do imposto sobre heranças, estaríamos num melhor caminho para um ajuste em que todos acabariam se beneficiando do crescimento maior.

    LAURA CARVALHO, 31, é professora do Departamento de Economia da FEA-USP

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