• Opinião

    Monday, 29-Apr-2024 19:47:03 -03

    Editorial: Extermínio esquecido

    24/04/2015 02h00

    Não há nada de acidental ou imprevisto em um genocídio. Massacres de populações civis muitas vezes ocorrem como efeito perverso e colateral de guerras. Genocídios, porém, são uma política de Estado, fruto de deliberação –e, justamente por isso, insuperáveis em sua crueldade.

    Dado seu propósito de exterminar determinado grupo étnico ou religioso, mereceram convenção específica da ONU, assinada em 1948. Tratava-se de bem-vinda resposta, ainda que tardia, ao Holocausto nazista.

    Antes desse terrível capítulo da história, outras demonstrações de desumanidade já haviam sido registradas no século 20, a começar pela destruição dos povos herero e namaqua na atual Namíbia, ocasionada pela Alemanha em 1904.

    Nenhum desses eventos, porém, ficou tanto tempo sem a devida superação histórica quanto o genocídio de armênios promovido pela Turquia e que ainda hoje, cem anos depois, suscita controvérsias.

    A maioria dos historiadores, incluída a Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio, sustenta, com base numa série de evidências, que houve uma política deliberada do antigo Império Turco Otomano para aniquilar a população armênia que vivia em seu território. Ao que parece, as diretrizes foram transmitidas oralmente, o que dificulta documentá-las.

    Estima-se que assassinatos em massa e a deportação de comunidades inteiras para regiões desérticas tenham provocado a morte de 1 milhão a 1,5 milhão de pessoas.

    A Turquia admite entre 300 mil e 400 mil vítimas, mas como consequência da Primeira Guerra Mundial, em que se digladiaram na região os impérios turco e russo. Pela proximidade cultural e étnica com os russos, a minoria armênia foi tratada por Istambul como aríete interno do inimigo. Conforme a narrativa turca, porém, não teria havido uma política de extermínio.

    Embora tenha oferecido condolências aos armênios no começo desta semana, o governo turco ainda tergiversa e faz o possível para interditar discussões sobre o tema.

    Talvez por causa da posição estratégica da Turquia na passagem entre Europa e Oriente Médio e de sua filiação à Otan (aliança militar do Ocidente), apenas 23 países definem como genocídio o processo deflagrado em 1915. Entre eles, infelizmente, não se encontra o Brasil.

    Existe, de fato, um debate historiográfico a ser feito. Se todas as evidências apontam para o genocídio, a enorme discrepância sobre o número de mortes, por exemplo, atesta o quanto ainda há por esclarecer –o que não implica, certamente, relativizar a inconcebível natureza do extermínio.

    Como mostraram países como Bósnia, Camboja e Alemanha, palcos de genocídios no século 20, reconhecer o trauma histórico é condição para seguir adiante. Decorrido tanto tempo, Turquia e Armênia deveriam envidar mais esforços para remover os obstáculos no caminho da reconciliação.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024