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    MP do Futebol, que propõe o refinanciamento das dívidas dos clubes, deve ser aprovada? Não

    25/04/2015 02h00

    ANDRÉ RAMOS TAVARES: CHUTANDO O JOGO

    Não tenho dúvida alguma em afirmar que boas práticas legislativas e esportivas poderiam contribuir para alavancar o horizonte de perspectivas de qualquer sociedade. A recentíssima medida provisória 671 aparenta perseguir esse caminho, com o discurso do "novo" padrão, de democracia e eficiência, para o futebol brasileiro.

    Na realidade, porém, nela estão embutidos dois outros pressupostos: o sistema de futebol brasileiro padeceria de um mal congênito e a solução para esse problema seria, naturalmente, legislativa.

    A busca pela eficiência é o mote da medida provisória –contra um sistema supostamente arcaico, irresponsável e disfuncional–, alcançando, assim, com facilidade, o imaginário e a simpatia dos mais inocentes. Na prática, a MP 671 efetivamente oferece atenção financeira a alguns clubes, permitindo parcelar débitos tributários e não tributários, inclusive o FGTS.

    Ela toma de assalto, entretanto, todo o sistema do futebol, admitindo seu resgate caso sejam satisfeitas suas comprometedoras vontades, algumas verdadeiras excentricidades, outras meros experimentalismos disfuncionais.

    Uma reflexão nos permite facilmente compreender o pressuposto indigno (para o futebol) do qual parece ter partido a medida provisória.

    O ato de força e de ódio nela inseridos adotam, porém, o discurso fácil da linguagem neutra, da amizade, apenas ressaltando haver benefícios para as entidades que atendam a sua lista de exigências explícitas. Está implícita a intenção de manipular o sistema, interferindo de maneira desigual e desarrazoada.

    Fosse vedada a ajuda do Estado, nem se cogitaria essa discussão. Assim, exatamente sob esse pretexto de fomento e de promoção do desporto, que são deveres do Estado, a medida provisória atropela direitos, impede a participação de clubes em campeonatos e decreta a legitimidade da morte prematura para algumas entidades a fim de exercer seus experimentos legislativos.

    Esquece-se de que o funcionamento das entidades do futebol é, e deve ser, decisão dos próprios membros das entidades, no exercício democrático de suas vontades sociais e da autonomia da sociedade para se organizar.

    A postura da MP, nitidamente, ignora a vontade da maioria. Ademais, nela é construída uma categoria de privilegiados, que passarão a integrar forçadamente órgãos colegiados, incluindo os de direção das entidades. Seria um programa de "quotas" para os atletas?

    A MP perde totalmente sua aura de inocência quando estimula e até enfatiza a organização de entidades contrárias às atuais. Para clubes já em dificuldades, a medida provisória "chuta a escada" de acesso aos campeonatos internacionais e de maior expressão econômica.

    Estará se incitando não a saudável competição profissional, mas o duelo daqueles constrangidos a gravitarem em torno da MP. O que resta é sintomático dos pressupostos e projetos nela embutidos: um sistema desigual de força, que não assume responsabilidades por resultados catastróficos que daí derivem.

    Reconheço que não se deve fomentar um modelo absolutamente liberal, sem fiscalização e sem resultados para o esporte nacional, especialmente quando estiverem envolvidos valores públicos e valores da cidadania brasileira.

    Não é essa, porém, a discussão aqui posta. As mudanças podem ocorrer, mas devem respeitar as "regras do jogo". Assistimos a um ambicioso projeto de desmonte do futebol brasileiro, flagrantemente vedado pela Constituição e pelo bom senso: um único horizonte vislumbrável na MP é a falta deste.

    ANDRÉ RAMOS TAVARES, 42, é professor de direito econômico da USP e professor da PUC-SP

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