• Opinião

    Sunday, 05-May-2024 05:17:06 -03

    Editorial: Paradoxo perverso

    27/04/2015 02h00

    A notícia em si já seria chocante. Mas, na conjuntura atual, em que se discute a diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos, a reportagem publicada por esta Folha na quinta-feira (23) tem conotação perversa.

    Dos 23 mil menores infratores que cumprem algum tipo de punição no Brasil, só 10% têm acesso ao regime de semiliberdade, pelo qual podem sair das instituições durante o dia para estudar ou trabalhar.

    Em alguns Estados, como Paraíba e Maranhão, menos de 3% dos infratores têm atendido esse direito; em Mato Grosso, não se registra caso de menor nessa situação.

    Seriam, talvez, infratores de alta periculosidade? A realidade é bem diferente disso. Uma minoria bastante limitada dos internos responde por crimes hediondos.

    Em São Paulo, por exemplo, somente 2,6% dos adolescentes foram punidos por tal tipo de transgressão. Mesmo assim, 93% deles permanecem confinados dia e noite.

    Configura-se situação de rigor punitivo ainda maior –e este o paradoxo do caso– do que se vê entre infratores adultos. Destes, cerca de 35% estão, no país inteiro, no sistema semiaberto.

    Não se trata de regalia ou concessão motivada por alguma atitude sentimental. Tal regime se fundamenta na ideia de que, a não ser em casos de grande perigo para a sociedade, há mais vantagem em ter o delinquente dedicado a atividade produtiva do que em mantê-lo preso na companhia de personalidades já deformadas pelo banditismo e pelas práticas da cadeia.

    O raciocínio tem maior pertinência no caso dos adolescentes, mais capazes de absorver novas condições de trabalho e estudo. O inverso do que se verifica, portanto.

    Se alguém quisesse fazer blague com um assunto de máxima importância e seriedade, tantas vezes tratado com a demagogia dos que vociferam em favor do máximo rigor penal, poderia inverter as opiniões correntes.

    Os que defendem penas mais elevadas, vingança social extrema, dureza com o jovem infrator deveriam apoiar a atual legislação.

    Quanto aos que advogam teses mais flexíveis e maior cuidado na punição aos adolescentes, talvez devessem apostar na diminuição da maioridade penal para 16 anos: haveria de ser, bizarramente, o modo de lhes oferecer mais ocasiões de cumprir sua pena no regime semiaberto, de forma mais produtiva.

    Não se trata disso, por certo.

    Mas é de notar o quão fora da realidade estão os que, julgando necessário mais rigor contra o jovem delinquente, desconhecem as péssimas condições hoje oferecidas para que se reintegrem à sociedade, e o quão distante está a máquina punitiva de proporcionar real aumento da segurança geral dos cidadãos.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024