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    Editorial: Apetite legislativo

    27/04/2015 02h00

    No afã de conter a anorexia nervosa, parlamentares franceses, capitaneados pelo Partido Socialista, estão prestes a aprovar duas emendas à Lei de Saúde do país que estabelecem novos tipos penais.

    Uma delas cria a figura da incitação à magreza. Pelo texto, aprovado na Assembleia Nacional e enviado ao Senado, quem estimular uma pessoa a tentar ser magra demais, encorajando restrições alimentares prolongadas, pode ser condenado a até um ano de cadeia, além de multa de 10 mil euros. O alvo são os chamados sites pró-ana, que incentivam a anorexia.

    A segunda emenda, também dependendo de aprovação do Senado, proíbe modelos muito magras de exercer a atividade. Diretores de agências que as contratarem estariam sujeitos a seis meses de prisão e multa de 75 mil euros.

    A regulamentação da medida definirá como "muito magra" a modelo cujo IMC (Índice de Massa Corporal) for inferior a 18. Se a regra existisse no Brasil, boa parte das mulheres que desfilaram no São Paulo Fashion Week estaria fora da lei.

    Ninguém contesta que a anorexia seja doença psiquiátrica grave que exige a atenção das autoridades. Embora a incidência na população geral seja baixa, não ultrapassando 8 casos por 100 mil habitantes ao ano nem nos países mais afetados, ela explode na faixa das garotas de 15 a 19 anos, podendo atingir 100 ocorrências a cada grupo de 100 mil pessoas.

    Anorexia, além disso, é considerada a mais letal de todos os transtornos mentais, com taxa de mortalidade da ordem de 6%.

    Não parece razoável, entretanto, propor que doenças complexas e multifatoriais sejam enfrentadas por meio de proibições que afetem o conjunto da sociedade de maneira indistinta. Se a estratégia funcionasse, a Lei Seca teria por exemplo, sido um sucesso.

    O ímpeto legislativo dos franceses mostra-se ainda mais insensato quando se tem em mente a forte influência da genética na anorexia. Estudos com gêmeos indicam que a contribuição dos genes para a doença supera 50%.

    Todas essas considerações até poderiam ser deixadas de lado se a medida fosse apenas ineficaz. Sobram exemplos de leis incapazes de produzir os efeitos pretendidos.

    A proibição de trabalhar em debate na França, porém, tem um componente imoral que não pode ser ignorado. Basta substituir a expressão "modelos magras" por "pessoas obesas", "homossexuais" ou "negros" para notar o quanto há de autoritário na medida.

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