• Opinião

    Monday, 20-May-2024 01:59:42 -03

    opinião

    Roberto Mangabeira Unger: Bê-á-bá do novo modelo de desenvolvimento

    05/05/2015 02h00

    O Brasil tem jeito?

    A despeito das dificuldades que enfrentamos, o Brasil tem tudo para iniciar um novo e duradouro ciclo de desenvolvimento. Contamos com os recursos mais importantes: vitalidade assombrosa, unidade nacional, abertura de espírito para o novo e recursos naturais sem par. O Brasil é o único país do mundo com que se podem comparar os EUA.

    O que precisamos fazer para aproveitar esse potencial?

    Organizar uma estratégia de desenvolvimento baseada em ampliação de oportunidades econômicas e de capacitações educacionais. Democratizar consumo e demanda exige só dinheiro. Democratizar a produção e a oferta requer inovação institucional, inclusive na maneira de organizar a economia de mercado.

    Qual o maior defeito do modelo econômico existente?

    É a baixa produtividade do trabalho. Empregamos expressiva maioria de nossa força de trabalho em serviços de baixa produtividade. E usamos as riquezas da natureza para disfarçar as consequências.

    Quais são as partes centrais do novo modelo?

    São duas. A parte econômica é o produtivismo includente: conjunto de iniciativas destinadas a equipar o tremendo dinamismo empreendedor que continua a se afirmar no país. A parte intelectual é a qualificação do ensino básico: a substituição do enciclopedismo raso por ensino analítico.

    Qual o conteúdo do produtivismo includente?

    Seu primeiro componente é ampliar o acesso ao crédito, à tecnologia e às práticas inovadoras em favor das médias e pequenas empresas, protagonistas de nossa economia. Até nossas maiores empresas precisam de choque de ciência e de tecnologia: a especialização em recursos naturais estreitou o espectro de tecnologias e práticas que dominam.

    Seu segundo elemento é apostar na valorização do trabalho e do trabalhador. A precarização crescente dentro da própria economia formal é inimiga do desenvolvimento. Precisamos governar as realidades emergentes da produção.

    Sua terceira parte é derrubar travas ao impulso produtivista que resultam da confusão jurídica. Tem de haver regra. Em vez de regra, costuma haver delegação de poderes discricionários a burocratas, juízes e procuradores –por exemplo, em nosso pseudodireito ambiental (que não estabelece normas claras para reger situações diferentes) ou em nossa legislação de controle (que presume a desonestidade e sufoca a inovação).

    O que devemos fazer para qualificar o ensino básico?

    Implantar o federalismo cooperativo na educação, redefinir o currículo como sequência de capacitações analíticas ligadas a conteúdos variáveis e aprofundados, pôr a cooperação na maneira de ensinar e de apreender no lugar da combinação de individualismo e autoritarismo que marca nossas salas de aula.

    É preciso também lançar mão de numerosas iniciativas destinadas a qualificar os professores e diretores e usar tecnologias, como o ensino a distância e os softwares interativos, para prover os professores de melhores instrumentos e para acelerar a mudança.

    Qual é a relação entre ajuste fiscal e produtivismo includente e capacitador?

    Ajuste fiscal não é agenda. É preliminar de agenda. Precisamos acertar as contas públicas, inclusive para assegurar ao Estado margem de manobra. O objetivo maior do ajuste fiscal não é ganhar confiança financeira –é não depender da confiança financeira. A alternativa produtivista e capacitadora consolida a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do rentismo financeiro.

    Não precisamos fazer a reforma política antes de reorientar o rumo do país?

    Nenhuma sociedade reforma suas instituições políticas para só depois decidir o que fazer com elas. A reforma política ocorre no meio de luta para reorientar o rumo, não antes. Há exceção a esse princípio: reordenar desde já o financiamento eleitoral para tirar a política da sombra corruptora do dinheiro.

    Mas como fazer tudo isso em meio às confusões atuais da política?

    As pequenas desavenças entre políticos são desimportantes. Importante é o Brasil ter projeto forte. Pode. Precisa. Terá.

    ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 68, professor da Universidade Harvard (EUA), é ministro de Assuntos Estratégicos, cargo que ocupou no governo Lula

    *

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@uol.com.br.

    Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024