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    Jerson Kelman: A conta de água e a despoluição dos rios

    10/05/2015 02h00

    No segundo semestre de 2012, quando foram feitas as previsões para o novo ciclo para a tarifa de água da Sabesp, as perspectivas da economia pareciam animadoras. O governo federal havia promulgado a MP 579, que disciplinava a renovação de concessões de hidroelétricas e linhas de transmissão, o que geraria uma redução média de 20% na tarifa de energia elétrica.

    A notícia foi bem recebida pelas empresas de saneamento porque o item eletricidade é um dos principais componentes do custo operativo (no caso da Sabesp, 13%).

    Com essa expectativa, a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) reduziu em 15% a projeção do custo de energia feita pela Sabesp para efeito da tarifa de água que seria praticada nos quatro anos seguintes, com reajustes anuais focados apenas na correção da inflação.

    Ao contrário do previsto, a tarifa média de energia elétrica subiu a partir de 2013 num ritmo muito superior ao da inflação –o custo médio de energia elétrica para a Sabesp aumentou 85%. Isso ocorreu em parte devido à severa seca que acometeu o Sudeste a partir do segundo semestre de 2013 e que ainda persiste.

    Para economizar água dos reservatórios de usinas hidroelétricas, acionaram-se as termoelétricas. A energia mais cara impactou o preço de todos os produtos que dependem da eletricidade para serem produzidos, inclusive a água potável.

    A seca que impacta o setor elétrico é grave, mas não é o pior evento registrado na série histórica. Já a seca observada nas cabeceiras da bacia do rio Piracicaba, onde está o Sistema Cantareira, é, sim, a pior já registrada e é um evento raro.

    As consequências dessa seca têm sido duras para a população e para a Sabesp. A combinação de menor faturamento (queda de 30% na produção de água potável) com maior custo operacional impulsionou a companhia a pedir uma revisão tarifária à Arsesp que implicaria aumento tarifário de 22,7%.

    O relatório que sustentou a decisão da Arsesp de conceder aumento de apenas 15,2% tem uma passagem em que se reconhece a necessidade de incluir nas tarifas o custo da diferença entre o que havia sido previsto em 2012 e o que se materializou ao longo de 2013 e 2014.

    A Sabesp reivindicou que esse "ativo" começasse a ser cobrado imediatamente nas contas de água, mas a Arsesp decidiu implementar a medida somente a partir de 2017.

    Embora a decisão se encontre dentro do campo discricionário da agência reguladora, tudo indica que o acatamento do pedido da Sabesp teria sido uma decisão melhor. Com menos recursos, a Sabesp teve que fazer escolhas difíceis para preservar os investimentos essenciais.

    A decisão óbvia foi diminuir os gastos e priorizar o restabelecimento da segurança hídrica na Região Metropolitana de São Paulo e em cidades do interior. O outro lado é que haverá inescapável restrição no orçamento de investimentos de programas não relacionados com uma ameaça iminente de falta de água.

    Como consequência, será necessário renegociar contratos com prefeituras, Termos de Ajuste de Conduta e acordos judiciais para que se possa adiar, até o término da crise hídrica, o início de obras importantes, mas menos prioritárias do que o atendimento das necessidades fundamentais dos seres humanos.

    A população deseja que a Sabesp tenha recursos suficientes não só para fornecer água potável mas também para proteger a saúde de pessoas e ambiente, por meio da coleta e tratamento de esgoto.

    Assim, surpreende que a divergência entre o que a Sabesp pretendia e o que a Arsesp concedeu signifique uma economia inferior a R$ 3 por mês para uma família típica.

    Corresponde ao preço de uma simples garrafa de água mineral! Por tão pouco vale a pena atrasar o programa de despoluição dos rios, mesmo que por apenas alguns meses?

    JERSON KELMAN, 67, é presidente da Sabesp

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