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    opinião

    Eduardo Oinegue: Um basta ao orçamento geológico

    27/05/2015 02h00

    O ex-ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, questionado por jornalistas no programa "Canal Livre", da Band, sobre o tamanho do Estado no Brasil, disse: "Temos 38 ministérios, 37 fundações, 128 autarquias e 140 empresas estatais. É difícil acreditar que não tenha espaço para uma mudança importante.

    "A tua verba está no Orçamento deste ano simplesmente porque estava no Orçamento do ano passado [...] Orçamento é negócio geológico. Nada termina, tudo continua."

    Delfim Netto descreve, com incontrastável clareza, os sintomas da doença que o Brasil evita combater: o gigantismo estatal, presente em todas as esferas de governo.

    As medidas desenhadas pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) para o ajuste fiscal são todas bem-vindas –e até poderiam chacoalhar o gigantismo se os limites que as guiassem fossem técnicos, não políticos. Só que não é.

    De olho nas eleições futuras, parlamentares da base governista não querem cortar muita coisa. Sem se desprender da eleição passada, oposicionistas não querem cortar nada.

    O debate em torno do tamanho do Estado é sempre evitado. Só se aceitam discussões periféricas, como a que trata, por exemplo, do número de ministérios. Surgiu até um projeto de lei para limitá-los em 20, como se fizesse diferença. Não faz.

    Primeiro porque não há relação entre número de ministérios e carga tributária. José Sarney tinha 31 ministérios e a carga tributária era de 20% do PIB (ano-base 1988). Fernando Collor cortou para 17, e a carga tributária subiu para 24% (1991).

    Tampouco se pode estabelecer relação direta entre número de ministérios e desenvolvimento. Há o mesmo número de ministérios no Reino Unido e no Botsuana. O problema não é o número de ministérios, mas, sim, a capacidade do Estado de pendurar novas despesas e escondê-las na Esplanada.

    Tome-se o caso da gestão dos museus federais, que vinha sendo conduzida pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Eis que o Estado decidiu fundar outra autarquia para esse fim, o Ibram (Instituto Brasileiro de Museus). Onde havia uma estrutura brotou uma segunda.

    Em 2001, o governo federal fechou três autarquias: as superintendências de desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Centro-Oeste (Sudeco) e Amazônia (Sudam), transformadas em agências. As superintendências acabaram reabertas, e os decretos de recriação alocaram 137 cargos de confiança. Mais despesas, mais carga tributária.

    O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação controla há alguns anos uma estatal chamada Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), criada para produzir chip para monitoramento de bois. Já consumiu mais de R$ 750 milhões em investimentos e até agora produziu prejuízo e algumas explicações ao Tribunal de Contas da União. É investimento estratégico?

    Foi o que se disse em 1975 para justificar a criação de outra disfunção, a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), atualmente ligada ao Ministério da Defesa. Das linhas de montagem da Imbel saem fuzis, pistolas, facas e barracas. O que há de estratégico nesse "arsenal", se o navio da Marinha é inglês, o caça da Aeronáutica sueco e o carro de combate do Exército alemão?

    É o tal "orçamento geológico", de que fala Delfim Netto. Os tempos mudaram. A sociedade vem dando mostras de que não quer mais permitir aos governantes o direito de distribuir sacrifícios quando as coisas desandam. Deseja um Estado que pratique o que se espera dele na crise: que faça mais com menos.

    EDUARDO OINEGUE, 51, jornalista, é sócio da Análise Editorial e consultor de comunicação. Foi publisher do portal iG, redator-chefe de "Veja" e diretor de redação da revista "Exame"

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