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    opinião

    Matias Spektor: A Casa Branca de Dilma

    04/06/2015 02h00

    A presidente embarca para os EUA em menos de 30 dias. Quando pisar na Casa Branca, ela dará por encerrado o mal-estar do escândalo da espionagem, que envenena a relação há dois anos. Aproveitando os holofotes, Dilma tentará convencer investidores estrangeiros de seu compromisso com o ajuste fiscal.

    Obama vai recebê-la de braços abertos porque, depois de Cuba, a reaproximação ao Brasil é a última pendência de seu governo na América Latina. Não à toa, ele pediu a visita em cinco ocasiões consecutivas.

    O encontro tem tudo para dar certo, mas será preciso trabalhar contra o relógio para impedir um curto-circuito. Sem acordos relevantes para anunciar nem promessas concretas para fazer, o êxito depende de um elemento intangível: a qualidade da atmosfera entre os presidentes e suas respectivas equipes.

    Hoje, as duas diplomacias enfrentam uma bateria de obstáculos.

    Em temas de livre comércio, a situação é melancólica (exceto as notícias sobre vendas de carne e, talvez, burocracia alfandegária).

    Na aviação civil, o lobby enquistado na Casa Civil barra o progresso. Em temas educacionais, os EUA são o destino preferencial do Ciência Sem Fronteiras, mas a dívida brasileira com as universidades americanas que aderiram ao programa chega à casa dos nove dígitos.

    No quesito de vistos, o Brasil não assinará o contrato de adesão que os americanos demandam. Caso o fizesse, as autoridades de lá poderiam acessar informações que, aqui, correm em segredo de Justiça. Parlamentares brasileiros com processos criminais, por exemplo, seriam expostos ao constrangimento de não poder embarcar para os EUA.

    Para piorar, o Planalto opera na defensiva. Quando se cogitou a possibilidade de Dilma proferir discurso num "think-tank", um assessor presidencial propôs a leitura de um discurso sem espaço para perguntas do público, evitando "situações chatas". Barrar o debate numa casa de debates é um tiro no pé.

    Para ser exitosa e ajudar o Brasil a atravessar os meses de dificuldades que vêm pela frente, a viagem demandará criatividade e um meticuloso trabalho de bastidor.

    Dilma pode relançar o Diálogo de Parceria Global, excelente mecanismo de consultas que nunca recebeu impulso do Planalto. Em comércio, pode encomendar um "exercício de escopo": procedimento para identificar as travas mais sérias ao fluxo de bens e serviços, isolando-as para que não paralisem toda a pauta.

    Em vez de prometer intercâmbio educacional para o qual falta dinheiro, Dilma pode se encontrar com os cem brasileiros que hoje ocupam posições de liderança na indústria de alta tecnologia na Califórnia. As ideias dessa turma sobre inovação têm gigantesco potencial.

    Se não quer enfrentar o público, Dilma pode tomar um café da manhã com o conselho editorial do jornal "Washington Post" e oferecer reportagem de capa à revista "Bloomberg Markets". Como ela divulgará o novo pacote de concessões naquelas datas, o mundo dos negócios reagirá bem e de imediato.

    Hoje, investimentos brasileiros geram quase 100 mil empregos diretos nos EUA, mas a presidente nunca almoçou com os senadores da dúzia de distritos eleitorais americanos onde esse dinheiro se concentra. Eles são aliados potenciais do governo brasileiro no difícil campo de batalha de Washington.

    Na entrevista coletiva que dará ao lado de Obama, Dilma não terá como concordar com o colega em boa parte da agenda de mudança do clima, um tema crucial para ele. No entanto, ela pode anunciar as metas brasileiras para a redução de emissões de gás carbônico, área na qual tem coisas boas para contar.

    Ao ser questionada sobre a brutalidade policial, tema recorrente na imprensa americana, Dilma poderá dizer que Pedrinhas, no Maranhão, e o Complexo do Alemão, no Rio, são como Baltimore: prova do mal que fazem a exclusão, a desigualdade racial, o gatilho fácil e a falta de acesso à Justiça para todos.

    E ela concluirá que, como a solução para esses problemas passa em grande medida pela aprovação de regras internacionais inteligentes, Planalto e Casa Branca não podem se dar ao luxo de ficar mais um minuto sem interlocução.

    MATIAS SPEKTOR, 37, doutor em relações internacionais pela Universidade de Oxford, é professor da FGV e colunista da Folha

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