• Opinião

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    Editorial

    Amadurecer o debate

    15/06/2015 02h00

    A disputa entre tucanos, petistas e peemedebistas em torno de uma proposta de consenso sobre a redução da maioridade penal talvez estimule um debate mais esclarecido acerca do tema, fazendo com que o preconceito e a ideologia deem lugar à informação e à razão.

    Por enquanto, todavia, ainda ganham força argumentos falaciosos como o do deputado federal Laerte Bessa (PR-DF), relator da comissão especial criada pela Câmara para discutir o assunto.

    Em artigo nesta Folha, Bessa, que defende a redução da idade de imputação criminal, afirmou: "Ninguém no Brasil de hoje é capaz de acreditar que um cidadão de 16 anos que pode, de acordo com a Constituição, votar e trabalhar não seja capaz de distinguir o certo do errado, não saiba a diferença entre o que é e o que não é crime".

    Por um lado, o deputado tem razão. Trabalhos na área da psicologia infantil mostram que bebês de poucos meses apresentam noções rudimentares de certo e errado. Crianças com três ou quatro anos são capazes de distinguir entre violações de normas morais e rupturas de convenções sociais, atribuindo maior gravidade às primeiras.

    Há pouca dúvida de que quase todas as pessoas com mais de dez anos já contam com o instrumental necessário para saber que matar e roubar é errado, mesmo que ainda não diferenciam todos os atos lícitos e ilícitos.

    A lógica de Laerte Bessa naufraga, contudo, quando restringe o controle do comportamento a elementos cognitivos. Assim como o conhecimento de que o cigarro prejudica a saúde não impede o fumante de manter o hábito, apenas saber que algo é errado não basta para afastar jovens de encrencas.

    O argumento neurológico em favor da manutenção da maioridade aos 18 anos nunca foi o de que menores ignoram o básico do Código Penal, mas sim o de que lhes falta maturidade para exercer autocontrole como a média dos adultos.

    A área do cérebro associada à tomada de decisões complexas e à contenção da impulsividade só amadurece plenamente por volta da segunda década de vida –por isso a maioria dos países fixa aos 18 anos a idade mínima para dirigir.

    Daí não decorre, naturalmente, que adolescentes não possam ou não devam ser punidos. Mas faz todo o sentido que a legislação reserve aos jovens um tratamento que leve em conta sua imaturidade.

    Para a maioria das infrações cometidas por crianças e adolescentes, que não envolvem grave violência, as sanções não precisam ser tão duras nem tão definitivas. É a linha que adota o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    Cabem, porém, ajustes nesse diploma. Dado que uma das funções do Direito é manter a coesão social, e dado que, segundo o Datafolha, 93% dos cidadãos apoiam a redução da maioridade penal, deve-se dar resposta a essa sólida maioria.

    Pesados prós e contras, a solução mais sensata é a de reformar o ECA de modo que adolescentes que tenham cometido crimes gravíssimos possam receber sanções mais longas que o atual prazo máximo de três anos –mas sempre em estabelecimento distinto do dos adultos.


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