• Opinião

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    Vernon Richard Kohl

    É válido o leilão por menor tarifa?

    27/06/2015 02h00

    Em 9 de junho o governo federal divulgou a versão 2015 do PIL (Programa de Investimentos em Logística), seu mais recente pacote de concessões, com investimentos previstos de R$ 198 bilhões de 2015 a 2018 em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, notando-se a falta –deliberada?– de hidrovias.

    Há muitos pontos do pacote que deveriam ser complementados, esclarecidos e ajustados pelo governo –aqui é discutido um deles: o critério de seleção do ganhador do leilão das concessões de rodovias pela menor tarifa ofertada sem que esteja previsto ressarcimento dos investimentos do governo para implantar essas rodovias.

    Note-se que esses investimentos do governo foram feitos com recursos obtidos de uma forma ou outra dos contribuintes em geral, independentemente do maior ou menor benefício que essas rodovias possam proporcionar a cada um.

    Para ilustração, a construção da Ponte Rio-Niterói custou ao governo, em 1968, o equivalente a cerca R$ 3 bilhões hoje. A anuidade que ressarciria esse investimento a uma taxa de retorno real de 8% ao ano –certamente não excessiva– em prazo indefinido ("perpetuidade") seria de R$ 240 milhões.

    Esse valor dividido pelos 28 milhões de veículos por ano que atualmente pagam pedágio na ponte resultaria em R$ 8,60 para cada um, enquanto a tarifa que resultou do leilão de concessão realizado em março deste ano é de apenas R$ 3,70.

    Portanto, para cada tarifa arrecadada dos veículos que usam a ponte há um subsídio no valor de mais de duas tarifas arcado pelos contribuintes em geral. No caso, o subsídio é atualmente ainda maior, uma vez que o investimento do governo não foi ressarcido desde 1968 até agora.

    Certamente caberia uma discussão mais aprofundada sobre a concessão de subsídios dessa natureza e magnitude, que ocorrem - de forma oculta, é de se notar - em todas as concessões leiloadas pelo critério de menor tarifa sem ressarcimento de investimentos feitos com recursos públicos.

    Para se corrigir essa distorção bastaria o edital estabelecer previamente um ônus da concessão que correspondesse ao ressarcimento desses investimentos –daí o leilão até poderia ser por menor tarifa.

    Alternativamente, o edital poderia fixar o valor total da tarifa de forma a remunerar tanto o investimento público quanto para cobrir os custos e lucros do concessionário e haver leilão por maior outorga.

    Caso fosse adotada uma dessas formas, as tarifas de pedágio que resultariam nos leilões seriam mais altas, mas, acima de tudo, seriam mais justas, fazendo com que o custo das rodovias concedidas seja arcado por seus usuários e por terceiros que também se beneficiam dessas rodovias, via repasse por meio de transações com usuários (é o caso de fretes, por exemplo).

    Deixaria de haver o alto subsídio que é arcado por contribuintes para os quais essas rodovias proporcionam pouco ou nenhum uso ou benefício. Também haveria outras vantagens, entre as quais menor congestionamento (e, portanto, menos poluição) e concorrência mais equitativa do transporte por autos ou caminhões com outros modos - coletivos para pessoas e ferrovias e hidrovias para cargas.

    Por fim, cabe lembrar que também propiciariam ao governo, de forma legítima, receita adicional de que tanto carece atualmente.

    VERNON RICHARD KOHL, 67, é consultor internacional de logística e transportes e foi diretor do Departamento de Engenharia de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia de São Paulo (2009-2013)

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