• Opinião

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    MARCOS DEGAUT

    Diplomacia de resultados?

    30/06/2015 02h00

    Em artigo publicado neste mesmo espaço em junho deste ano, "As embaixadas e a diplomacia de resultados", o chanceler Mauro Vieira apresentou argumentos e estatísticas relacionados ao comércio exterior brasileiro para justificar o elevado número de repartições diplomáticas no exterior.

    Segundo o ministro, "cifras e números respaldam uma diplomacia de resultados", sendo essa a base sobre a qual "se constrói uma política externa de qualidade".

    A iniciativa seria louvável, não fosse fundada em dados superficiais e argumentos que subestimam a capacidade de discernimento até do observador menos atento. Na visão do ministro das Relações Exteriores, existe relação de causa e efeito entre número de postos e resultados da balança comercial. Essa relação não existe. Se existisse, caminharia em direção oposta à apontada.

    O Brasil possui cerca de 220 postos no exterior, rede superior à de Canadá (180), Argentina (148), Itália (205), México (164) e Alemanha (215) e inferior apenas à de Estados Unidos (270), França (267), China (265) e Reino Unido (256).

    Desses, apenas a Argentina, com US$ 68 bilhões, registrou volume de exportações inferior aos US$ 225 bi alcançados pelo Brasil em 2014. Os demais registraram cifras de US$ 2,4 trilhões (China), US$ 1,6 tri (EUA), US$ 1,5 tri (Alemanha), US$ 567 bi (França), US$ 528 bi (Itália), US$ 511 bi (Reino Unido), US$ 472 bi (Canadá) e US$ 400 bi (México).

    Esses dados já indicam não existir relação entre número de postos e volume de exportações. No máximo, indicariam descaso com as atividades de promoção comercial –tradicionalmente desprezadas pelo Itamaraty e pejorativamente chamadas de "secos e molhados"– e a inabilidade da chancelaria em alavancar a balança comercial.

    O ministro demonstra miopia estratégica ao se vangloriar das exportações para 18 países africanos onde foram abertos novos postos, que saltaram de "US$ 736 milhões para US$ 1,6 bilhão entre 2004 e 2014", o que representa 0,38% da pauta exportadora do país. Pouco para quem um dia almejou alterar a geografia comercial do mundo.

    Os resultados se tornam piores se comparados aos de Alemanha, Argentina e Itália. O Brasil, com rede de 38 postos na África, para lá exportou US$ 9,7 bilhões em 2014. A Argentina, com apenas 11, exportou quase US$ 6 bi, ao passo que a Alemanha, com 43, e a Itália, com apenas 29, exportaram US$ 30 bi cada.

    Incorretamente, Vieira também considera "expressivo" o crescimento de 200% das exportações para o Cazaquistão, que agora atingem nada expressivos US$ 56 milhões. Isso representa 0,024% das exportações brasileiras –a Alemanha exporta US$ 2,4 bi para aquele país.

    O Itamaraty não é responsável por exportar nada. Sua tarefa deveria ser a de prospectar negócios, fornecer informações e realizar atividades de promoção comercial. Não é admissível que busque capitalizar em proveito próprio os resultados de atividade realizada pelo setor privado. Os números não justificam a manutenção dessa cara, complexa e subutilizada estrutura.

    Pior, seus argumentos, além de demonstrarem falta de cuidado com o dinheiro público, evidenciam acentuado empirismo, penosa carência de paradigmas e a inexistência de planejamento estratégico e de um projeto coerente de política externa, reflexo de uma diplomacia de muita forma e pouco conteúdo.

    Ademais, desde quando a atuação cartorial de concessão de vistos, certidões e procurações é produto de diplomacia de resultados? Lançar essa hipótese e mensurar resultados a partir desse paradigma demonstra o quanto nossa diplomacia está sem bússola.

    Utilizar como parâmetros a expansão comercial para a Eslovênia ou usar o Qatar como modelo de inserção no Oriente Médio é vergonhoso. Diplomacia de resultados é como nos encontramos posicionados em relação aos nossos competidores na arena global. Nela, o Brasil perde influência e frustra expectativas.

    MARCOS DEGAUT, 44, cientista político, é professor-adjunto na Universidade da Flórida Central (EUA)

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