• Opinião

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    Carlos Rittl e André Ferretti

    A parte que nos cabe

    06/07/2015 02h00

    Entre os anos de 1991 e 2012, mais de metade da população brasileira teve sua vida afetada por eventos climáticos extremos. Secas, enchentes e deslizamentos de terra atingiram 127 milhões de pessoas.

    O número de registros cresceu 40% na década passada em comparação à anterior, incluindo tragédias como a de Santa Catarina, em 2008, e a da serra fluminense, em 2011, segundo o Atlas Brasileiro dos Desastres Naturais. Neste ano, um quinto dos municípios do país entrou em situação de emergência ou de calamidade pública.

    O aquecimento global, combinado com a expansão urbana e aos problemas de desenvolvimento que o Brasil já tem, permite projetar para este século um cenário sombrio, no qual o número de atingidos e o custo das tragédias para a economia só fazem crescer. E ninguém será poupado –como aprenderam os moradores de São Paulo.

    A ciência do clima nos deu dois parâmetros a perseguir para minimizar o dano. O primeiro é um número pequeno: 2ºC. Esse é o limite de aquecimento global que os governos mundiais chamaram de "seguro" em 2009, quando concordaram em evitá-lo.

    O segundo parâmetro é um número grande: 1 trilhão de toneladas. Isso é tudo o que a humanidade pode emitir de CO2 até o ano de 2100 para ter uma chance de evitar que a barreira dos 2ºC seja rompida. Parece muito, mas todo ano nós emitimos 50 bilhões de toneladas.

    Esse "orçamento" de carbono forma o pano de fundo das metas de redução de emissões que os governos do mundo todo deverão apresentar neste ano para o novo acordo do clima, em Paris. Essas metas são conhecidas como INDCs, ou Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas.

    A natureza da negociação internacional cria nos governos uma disputa para ver quem consegue fazer o mínimo possível e jogar o maior esforço possível nas costas dos concorrentes. Somadas, as INDCs dos países ricos nem chegam perto de uma trajetória compatível com os 2ºC. Diante dessa baixa ambição, é de esperar que outros governos ajam da mesma forma.

    O Brasil parece estar jogando o mesmo jogo: os compromissos apresentados na semana passada pela presidente Dilma em Washington não sinalizam praticamente nenhum esforço de descarbonização e não se traduzem em emissões abatidas. É a receita para o desastre.

    Para o Brasil, um esforço compatível com sua responsabilidade e sua capacidade seria chegar a 2030 emitindo no máximo 1 bilhão de toneladas de CO2 por ano.

    Em 26 de junho, o Observatório do Clima apresentou uma receita de como fazer isso: será preciso zerar o desmatamento –não só o ilegal, como prometeu a presidente–, limitar as emissões por uso de energia a cerca de 617 milhões de toneladas de CO2 e as do setor agropecuário a 280 milhões de toneladas de CO2.

    Manter esse limite pressupõe uma ação em políticas públicas sem paralelo no país desde a era Vargas. Isso inclui recuperar milhões de hectares em pastagens degradadas, ter 60% dos carros flex rodando com álcool em 2030 e congelar a expansão das termelétricas a óleo e a carvão.

    Se o desafio é grande, as oportunidades também são. Todas as tecnologias consideradas estão disponíveis no país. Mitigar emissões na agricultura significa aumentar a renda do produtor. Nos transportes, significa ressuscitar a indústria dos biocombustíveis. E, se falar em zerar a perda de florestas em 15 anos parece sonho, lembre-se do que se dizia há 15 anos sobre controle do desmatamento na Amazônia.

    Não entraram na nossa conta os benefícios colaterais de tal ação: cidades mais habitáveis e menos vulneráveis, população mais saudável, um país mais verde, com maior biodiversidade e acesso aos serviços prestados pelos ecossistemas, como água potável. Para nós parece um bom negócio.

    CARLOS RITTL, 46, é secretário-executivo da rede de ONGs do Observatório do Clima
    ANDRÉ FERRETTI, 44, é gerente da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador-geral do Observatório do Clima

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