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    editorial

    Reino de um homem só

    05/07/2015 02h00

    O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mais uma vez se mostrou capaz de desfazer, na última hora, uma derrota que pouco antes lhe parecia ter sido imposta pela maioria de seus pares no plenário.

    Já durante a votação da reforma política, quando se discutia a questão do financiamento às campanhas eleitorais, Cunha conseguiu, em questão de 24 horas, reverter uma decisão da Casa.

    Na madrugada de quinta (2), tratando de tema bem diverso, os deputados que não se aliam às visões de Cunha mais uma vez experimentaram a sensação de ver o tapete subitamente puxado sob seus pés.

    Tiveram pouquíssimo tempo para comemorar a rejeição da proposta de emenda constitucional que baixava, de 18 para 16 anos, a idade para responsabilização penal de quem comete certos crimes graves.

    Puderam verificar que nenhuma causa está perdida quando Cunha se põe a defendê-la. O presidente da Câmara reembaralhou as cartas, apresentando para análise, como se fosse proposta nova em folha, o que não passava da mesma matéria derrotada no dia anterior, com alguns aspectos suprimidos.

    Refeita a votação, deu-se a reviravolta; dos 303 da véspera, insuficientes para aprovar a emenda, passou para 323 o número dos deputados que a apoiavam.

    Intrincadas questões regimentais podem ser invocadas para justificar a manobra. Parece evidente, de todo modo, a irracionalidade de uma prática em que, a cada tema relevante, votações são feitas e refeitas indefinidamente, só se encerrando o processo quando atendem à vontade individual de quem preside o mecanismo.

    Cunha pode argumentar que a redução da maioridade penal não é apenas um capricho seu. Trata-se, com efeito, segundo as mais diversas pesquisas de opinião, de um desejo da ampla maioria.

    Há doses semelhantes de verdade e de demagogia nessa linha de raciocínio. Incontestavelmente, procura-se dar resposta a uma sensação generalizada de insegurança e aos casos, felizmente bem menos frequentes do que se acredita, de adolescentes envolvidos em episódios de extrema selvageria.

    O que importa, entretanto, é retirar tais jovens das ruas, evitando que representem ameaça.

    É este o sentido de proposta em trâmite no Senado, que assegura tempo maior de internação, em instituição própria, para o menor responsável por tais horrores. Seu afastamento da sociedade pode ser alcançado com uma política prisional séria, respeitosa dos direitos humanos, sem ser concessiva nem complacente.

    No mundo de Eduardo Cunha, porém, isso não importa. Importa estimular o encarceramento, o ressentimento e a vingança; importa agitar um lema eleitoreiro, posar de rigoroso, aumentar o próprio cacife e fazer da Câmara dos Deputados o reino de um homem só.


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