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    editorial

    Refavela

    27/07/2015 02h00

    A cada eleição, candidatos a cargos no Poder Executivo prometem amenizar o deficit de moradias no país: erguerão conjuntos habitacionais, subsidiarão a aquisição de imóveis, promoverão a reurbanização de favelas e cortiços.

    Poucas palavras, contudo, e um número ainda menor de ações se reservam para lidar com as forças que empurraram populações para habitações irregulares e loteamentos ilegais. Daí a frequência com que beneficiários dessas melhorias retornam à condição original.

    É o que acontece no Cingapura Barão de Antonina, na marginal Pinheiros, em São Paulo. Inaugurado em 1995, abrigou parte dos moradores da favela Nova Jaguaré.

    Sem manutenção adequada, os prédios começam a se deteriorar; em 2005, a prefeitura os revitaliza. Dez anos mais e a favela ressurge –dentro do conjunto habitacional.

    Uma parte da área comum dos edifícios foi loteada ilegalmente para abrigar parentes e amigos de moradores dos apartamentos. Construções de até três andares estão sendo erguidas pelos invasores. Questionada, a prefeitura diz que vai realocar os "novos moradores".

    Como se fosse uma solução.

    Não é de hoje que conjuntos habitacionais sofrem processos de favelização: reportagens desta Folha feitas em 2004 mostraram a proliferação de barracos em todas as unidades visitadas do Cingapura.

    Alocar uma família carente num edifício pode solucionar um problema imediato de moradia, mas não elimina as demais carências.

    Se o poder público não consegue transformar uma favela num bairro nobre, pode acelerar o desenvolvimento humano das regiões degradadas por meio de pequenas intervenções: abrindo ruas, fornecendo luz, água e esgoto, construindo escolas e postos de saúde.

    Se o poder público não consegue impedir a conversão de uma mansão num cortiço, pode barrar a invasão de conjuntos habitacionais e a ocupação irregular de áreas de risco e de mananciais.

    Se a moradia é um direito consagrado na Constituição, nem por isso o poder público deve ser conivente com ilegalidades que prejudicam a coletividade. Muito menos deve considerar que fez a sua parte ao levantar prédios para ocultar a visão das favelas, ou despejar famílias em conjuntos habitacionais em periferias longínquas.

    Em geral dispendiosas, iniciativas desse tipo são politicamente rentáveis, mas seus ganhos sociais são discutíveis; sem dúvida resultam em votos, mas não tocam nas profundas desigualdades do país.


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