Em diversos contextos teriam pouca importância equívocos como trocar "azeite" por "óleo", dizer "feriado" em vez de "dia não útil" ou escrever "outros brinquedos" onde se deveria ler "triciclos e patinetes" –todos oriundos de uma desastrada tradução da língua inglesa para a portuguesa.
Assumem outra proporção, todavia, quando figuram num acordo comercial em que se definem descontos nas tarifas de importação de mais de mil produtos.
Como mostrou o jornal "Valor Econômico", os três exemplos citados, ao lado de outros 202 erros de tradução, integram a versão brasileira de um tratado alfandegário assinado em 2008 pelo Mercosul e pela União Aduaneira da África Austral (África do Sul, Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia).
Aprovado pelo Congresso em 2010, o acordo seguiu para o Planalto, que deveria promulgá-lo. Isso não ocorreu, porém, pois diplomatas identificaram as falhas linguísticas –cometidas por empresa contratada pelo próprio Itamaraty. O Brasil é o único país da negociação que ainda não ratificou o documento, impedindo sua vigência.
Desfeita a lambança, o texto embarcou num lento périplo ao qual não faltaram obstáculos burocráticos. A edição corrigida deveria ser remetida ao Paraguai, onde são depositados todos os acordos do Mercosul. Ocorre que o país estava suspenso do bloco devido à destituição de Fernando Lugo da Presidência.
Armou-se, então, estratégia alternativa. A nova tradução foi enviada ao Uruguai, sede da Secretaria Administrativa, enquanto o Brasil buscava aval das demais nações.
Encerrados tais trâmites, o documento chegou à Casa Civil em julho de 2013. Sem motivo aparente, ficou estacionado até o mês passado, quando voltou ao Congresso.
O acordo mereceria maior atenção do governo brasileiro. Os países do outro lado do Atlântico somam um PIB de US$ 430 bilhões (o da Argentina monta a US$ 540 bilhões), com perspectivas de crescimento nos próximos dois anos (4%). O Brasil, ademais, vende sobretudo manufaturados a essas nações, numa relação que tem sido superavitária (US$ 524 milhões em 2014).
A displicência diante desse tratado mostra quão limitadas são as várias promessas de aumentar a participação brasileira no comércio mundial. Nesse, como em tantos assuntos, as autoridades parecem perdidas –e não só na tradução.