• Opinião

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    Fausto De Sanctis

    Afago ao delinquente econômico

    17/08/2015 02h00

    Muito se discutiu sobre a repatriação de valores mantidos no exterior à margem do Estado e não declarados, mediante o pagamento de um percentual menor a título de tributação, com a garantia do anonimato e a consequente anistia dos crimes de evasão de divisas e de sonegação fiscal.

    O projeto de lei do Senado n.º 298/2015, de Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), ressuscita a benesse que tem o escopo de trazer recursos ao país, mas "obsta" o ingresso na economia de recursos de criminosos (todos o são!), já que não se aplicariam à lei valores fruto de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, pornografia infantil e corrupção.

    Lembre-nos das apontadas irregularidades que teriam ocorrido no HSBC na Suíça com a manutenção de contas irregulares em que mais de U$ 100 bilhões teriam sido ocultados do fisco de mais de 100 países, entre 1998 e 2007, dentre os quais, estariam 8.667 brasileiros.

    Busca-se estimular a adesão a "um novo modelo" de relação com o fisco, mediante tributação favorecida de sua situação pretérita. O indulto generoso que tem livrado condenados em até 12 anos de prisão, ainda que reincidentes, vem agora ser adicionado com mais essa farra tupiniquim, sempre com a melhor das intenções.

    A justificativa corrente é a de que, em decorrência da situação atual e da conjuntura política e econômica desenvolveu-se ao longo dos anos uma cultura de sonegação fiscal.

    Ora, anistia constitui verdadeiro "esquecimento jurídico" de delitos. Assim, o "benefício" da vinda de bilhões de dólares ao país, em hipótese alguma legitima a medida, antes merece censura porquanto subverte valores democráticos de uma sociedade que, sem perceber, permite o reingresso de valores ilícitos outrora sonegados.

    A anistia, dado o seu alcance, retroage, para apagar o crime cometido no passado, extinguindo sua punibilidade, ainda que haja sentença penal condenatória irrecorrível. Assim, mesmo que alguém esteja condenado definitivamente será alcançado pela medida.

    Como poderiam as autoridades fiscal e monetária prever que tais quantias não são fruto de delitos hediondos, tráfico, latrocínio, corrupção, extorsão mediante sequestro, falsificação de produtos medicinais, o que fulminaria sua concessão nos termos da Constituição? Basta que o contribuinte declare sua existência e recolha o tributo devido e aí terá o reconhecimento das autoridades de sua "nobre" atitude social.

    Será que o ganho que justificaria a aprovação de uma anistia, não significaria perda no futuro, até mesmo econômico, com o descrédito no país, nos valores democráticos e seus poderes constituídos?

    Não se pode jamais desejar que se nutram nos brasileiros sentimentos de que, antes, num período sombrio, haveria mais segurança, mais honestidade, mais credibilidade, mais moralidade e justiça social.

    Bastaria aos que desejem regularizar sua situação proceder espontaneamente ao retorno de seus valores, admitindo erros do passado, caso em que não faltará boa vontade dos órgãos estatais para equacionar de melhor forma sua situação. O direito ao arrependimento não estaria, nunca, inviabilizado.

    A adoção, sopesada, de determinados institutos, é exigência dos valores supremos da sociedade, como forma de resgate da sua própria confiança, nunca devendo ser utilizada para a salvaguarda de um momento ou de um grupo pequeno e seleto, para que não seja comprometida a própria existência do modelo social eleito.

    FAUSTO DE SANCTIS, 51, é juiz federal do TRF3 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região

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