• Opinião

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    Lucio Gregori e Mauro Zilbovicius

    Novo edital para ônibus em São Paulo

    29/08/2015 02h00

    Está em discussão pública um assunto de importância maior para a cidade de São Paulo: o novo edital para a contratação dos serviços de ônibus de passageiros. O edital gerará contratos avaliados em 70 bilhões de reais em 20 anos e podem ser celebrados por possíveis e inacreditáveis 40 anos, custando outros 70 bilhões.

    Destaque-se, como ponto positivo, a nova definição de redes (estrutural e local) de linhas ao invés da divisão da cidade em áreas, o uso das atuais garagens pelos eventuais novos vencedores é outra mudança positiva, pois anula a vantagem prévia das empresas que já operam o sistema, sendo positiva, também, transformação da remuneração por passageiro transportado pela remuneração do serviço por custo, o que significa que às empresas não vai mais interessar interferir na definição das linhas a serem operadas por elas.

    Há, no entanto, problemas graves no novo edital, a ponto de eventualmente comprometer os elementos corretos apontados. Há uma inédita introdução de uma parcela de "produtividade" na remuneração dos contratados.

    A definição empregada por esse conceito de "produtividade" é errônea, ao considerar uma redução do "custo por passageiro" como ganho de produtividade, pois considera lícito o aumento de número de passageiros transportados com o mesmo custo total.

    Ou seja, considera um eventual ganho o aumento da lotação dos veículos. Ora, no contexto do transporte coletivo contratado por custo, este é calculado pelo contratante, a Prefeitura de São Paulo, e ajustado à medida do necessário, em função dos indicadores de qualidade e desempenho pré-estabelecidos.

    Eventual ganho de produtividade, de fato, será originário de uma eficiência maior no cumprimento do serviço tal como contratado; melhor treinamento dos operadores, donde menor desgaste de pneus, peças e combustível. Mas um maior número de passageiros não significa aumento de produtividade; ao contrário, pode ser um "ganho" perverso.

    O edital prevê indicadores de qualidade, mas o chamado IQT (índice de qualidade do transporte), fruto de pesquisas junto a usuários, coleta de dados operacionais etc., na realidade só interfere no rateio da chamada "produtividade". Já o IQ presente na fórmula de remuneração,apesar de se chamar Índice de Qualidade, não significa qualidade; requer apenas o cumprimento do contrato.

    Lamentavelmente, o edital também não cria condições efetivas de estímulo ao uso de melhores tecnologias, como ônibus híbridos, elétricos de última geração ou mesmo de novas tecnologias em desenvolvimento, como as células de hidrogênio e outras que ainda podem surgir nos absurdamente longos 40 anos.

    Em contratos deste tipo o prazo deve ser o da amortização de capital do principal item da operação - os ônibus. Dez anos são mais do que suficientes para remunerar e garantir a segurança econômica do investimento.

    O edital também prevê a construção e operação de bens reversíveis como o CCO (Centro de Controle Operacional) ou terminais de transbordo. Por isso a extensão do prazo contratual? Porque envolver os operadores no sistema de controle do serviço que eles próprios prestam? Em suma, seria como se o edital ora em debate renovasse contratos celebrados em 1975, quando sequer se usava etanol como combustível no Brasil e a cidade era outra.

    Há ainda mais coisas a apontar. A cidade precisa ter tempo e cuidado para assinar um contrato dessa importância. Mas estamos diante de uma oportunidade única para discutir o futuro da mobilidade urbana em São Paulo.

    LÚCIO GREGORI, 79, engenheiro, foi secretário dos Transportes do Município de São Paulo (gestão Erundina)
    MAURO ZILBOVICIUS, 56, é professor de Custos e Engenharia Econômica da Escola Politécnica da USP. Foi diretor da CET (gestão Erundina)

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