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    editorial

    Olhares sobre Francisco

    03/09/2015 02h00

    No que está se tornando marca registrada de seu pontificado, o papa Francisco fez mais um daqueles gestos que, à primeira vista, parecem revolucionar a posição da Igreja Católica em relação a certos tabus, mas que, no fim das contas, não mudam tanto assim.

    Desta vez, o alvo foi o aborto.

    Na carta pastoral divulgada por ocasião do Jubileu da misericórdia –8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016–, o pontífice anunciou que, nesse período, padres também estarão autorizados a dar o perdão a mulheres que tenham feito aborto, bem como a pessoas que as tenham ajudado, desde que se mostrem arrependidas.

    A mudança ganha importância quando se considera que a Igreja Católica inclui o aborto numa restrita lista de crimes particularmente graves, que provocam a excomunhão automática.

    Isso significa que, quando uma mulher faz um aborto, ela já se encontra, em virtude do próprio ato e sem necessidade de julgamento ou declaração, excomungada.

    Para trazê-la de volta à comunidade de católicos, é necessário que o próprio papa ou um bispo a perdoe. Com a nova determinação, essa remissão fica mais acessível.

    Embora o papa tenha encontrado mais uma ocasião para mostrar-se aberto e afinado com a modernidade, a verdade é que, em termos objetivos, nada se alterou na doutrina da igreja. O aborto não deixou de ser um delito que gera excomunhão automática, e a ampliação do poder dos padres nesse ponto é, por ora, provisória.

    Francisco já recorreu a expedientes análogos quando deu declarações favoráveis a homossexuais ("quem sou eu para julgá-los?") e ao acolhimento de divorciados que contraem novas núpcias ("sempre pertencerão à igreja"). Simpatias à parte, formalmente nada mudou no tratamento que a Santa Sé dispensa a esses grupos.

    Francisco, o primeiro papa jesuíta da história, encontrou uma forma inteligente de atuar. Dosa as palavras e as atitudes para que possam ser percebidas como avançadas pelo público mais progressista, mas que, aos olhos dos mais conservadores, fiquem bastante aquém de configurar uma travessia do Rubicão moral.

    Não é uma estratégia ruim, já que todos os tipos de católico têm a chance de se reconhecerem no papa –e a igreja dá a impressão de não ter ficado parada no tempo.

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