• Opinião

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    André Morisson e Bruno Telles

    O rigor da ciência a favor da justiça

    17/10/2015 02h00

    No Brasil, menos de 8% dos homicídios são elucidados, enquanto que nos Estados Unidos o percentual é de 65%. Na França e no Reino Unido, a taxa chega a 90%. A ausência de prova material e a consequente impunidade são fatores que contribuem para o aumento da criminalidade no país.

    A perícia criminal existe para elucidar crimes de qualquer natureza com base na ciência. São os peritos que, utilizando o conhecimento e as técnicas das mais variadas disciplinas, como medicina legal, odontologia forense, balística, engenharia, química, genética, informática, eletrônica, contabilidade e finanças, entre outras, trabalham para esclarecer os crimes, apontar os verdadeiros culpados e liberar os inocentes.

    Para garantir essa imparcialidade, os peritos criminais de todo o país se aliaram, por meio de suas entidades representativas, a APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais) e a ABC (Associação Brasileira de Criminalística), na defesa da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 325/09, que garante a neutralidade de sua atuação, de modo a gerar provas materiais isentas. Criada em 2009, a proposta foi atualizada e incorpora duas outras propostas: a PEC 499/10 e a PEC 117/15.

    O modelo atual de investigação, baseado no inquérito policial, é tradicionalmente composto de testemunhos e indícios muitas vezes de caráter subjetivo. Já a perícia criminal deve pautar suas conclusões somente em exames com metodologia científica aplicada aos vestígios coletados. As duas abordagens devem interagir, mas uma não pode estar subordinada a outra sob pena de contaminação do processo.

    A reivindicação das duas entidades está em sintonia com as recomendações nacionais e internacionais que afirmam a necessidade de autonomia dos órgãos periciais para uma atuação isenta, de modo que seja neutralizada qualquer ingerência sobre os laudos produzidos. À perícia criminal não cabe apenas condenar, mas sim trazer a verdade dos fatos por meio de provas materiais.

    Buscamos, portanto, a autonomia técnica para que o exercício seja livre de influências da investigação das provas circunstanciais e para que os fatos elucidados possam ser apresentados, ainda que divirjam das expectativas criadas no âmbito do inquérito policial. Os delegados também serão beneficiados, já que terão mais tempo para se dedicar à investigação policial.

    Vários organismos do Brasil e do exterior afirmam a necessidade de autonomia dos órgãos periciais para uma atuação imparcial. São exemplos dessas recomendações o Plano Nacional de Segurança Pública (2002), a Conferência Nacional de Segurança Pública (2008), a Conferência de Direitos Humanos (2000-2008), o Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH3 (2009), o Relatório da National Academy of Science dos EUA (2009) e o Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura da Organização das Nações Unidas (2012).

    Segundo o relatório da ONU que abordou a questão de crimes de tortura, as investigações da perícia criminal não devem ocorrer sob a autoridade da polícia, devendo haver um corpo científico investigativo independente, com recursos materiais e humanos próprios.

    O serviço de medicina forense, abaixo da autoridade policial, não tem a independência para inspirar confiança nos seus achados. Esta recomendação também foi declarada pela Anistia Internacional como um dos doze passos para o Brasil extinguir a tortura por policiais.

    Com a desvinculação dos órgãos periciais, será possível ganhar eficiência das atividades, com redução da impunidade e de condenações baseadas unicamente em testemunhos ou confissões, de modo a aperfeiçoar a segurança pública no país e garantir a justiça para todos.

    ANDRÉ MORISSON, 45, é presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU e perito criminal desde 1996
    BRUNO TELLES, 38, é presidente da Associação Brasileira de Criminalística - ABC, engenheiro mecânico pela Poli-USP e mestre em administração pública com ênfase em criminalística pela FGV/RJ

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