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    editorial

    Incentivo perverso

    17/10/2015 02h00

    Princípios corretos nem sempre se materializam da melhor maneira nos códigos jurídicos. Por vezes, ao transformar uma teoria abstrata em norma concreta, o legislador termina por criar incentivos perversos, tendentes a promover práticas que deveriam ser coibidas.

    Em recente artigo nesta Folha, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, lembrando como esse problema afeta a prescrição, emprestou apoio a um projeto de lei 658/2015, do senador Alvaro Dias (PSDB-PR).

    Embora visto com maus olhos por muitos que legitimamente desejam ver criminosos punidos, o princípio da prescrição –pelo qual se extingue o direito de condenar um indivíduo ou cobrar reparações após certo prazo– tem razão de ser.

    O Judiciário está longe de ser perfeito, mas é o melhor que se encontrou para administrar conflitos de forma não violenta. Na busca pela harmonia, a Justiça deve amiúde equilibrar-se entre ideais potencialmente contraditórios. Se é necessário punir delinquentes, por exemplo, é preciso também evitar o rigor excessivo, que mais perturba do que promove a coesão social.

    Dentro dessa lógica, os sistemas jurídicos contemplam a noção de prescrição desde a Antiguidade, e elaboraram-se diversas justificativas para a ferramenta.

    Demóstenes dizia que ela servia para limitar a ação dos sicofantas, que às vezes atuavam como chantagistas profissionais. Sir William Blackstone, grande comentador das leis inglesas do século 18, afirmava que ela se destinava a punir a negligência de queixosos e a proteger cidadãos de boa-fé, que não conservam eternamente as provas que poderiam inocentá-los.

    Há certo consenso, no mundo jurídico, de que acusações guardadas por muito tempo podem produzir mais crueldade do que justiça.

    No Brasil, porém, falhas na redação das leis permitem que o instituto da prescrição seja sequestrado em favor da impunidade. Um exemplo citado pelo ministro Fachin está na execução da pena.

    Se o réu recorre da sentença e o Ministério Público não o faz, o Estado não pode executar a pena, mas o prazo prescricional começa a ser contado –em benefício de quem está praticamente condenado.

    Pela proposta do senador Alvaro Dias, o prazo passaria a ser contado somente depois de a Justiça dar sua última palavra. Nada mais razoável. No modelo vigente, todos os incentivos são para a defesa apresentar o maior número possível de recursos, mesmo que eles sejam meramente protelatórios.

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