• Opinião

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    Emilio J. Cárdenas

    Observando o Brasil na sua encruzilhada

    19/10/2015 02h00

    Até há pouco tempo, observar o Brasil da Argentina era perceber um país que crescia confiante de si mesmo, com aspirações de liderança que iam além de sua própria região.

    Um país otimista, que anulava sua pobreza interior ao ritmo de 10% ao ano. Democrático, organizado, com uma baixa taxa de inflação. Não tinha, nem dava indícios de que viria a ter, crises institucionais de magnitude. Merecedor de confiança, consequentemente. Para investidores e poupadores.

    O Brasil de algum modo construía suas aspirações de estar entre as nações que compõem a liderança mundial sobre a plataforma de sua influência em sua própria região. Seguro de si mesmo, até procurava ingressar como membro permanente do Conselho de Segurança.

    Visca
    Ilustração - Tendências e Debates, segunda-feira 19 de outubro de 2015

    Com um terço do PIB regional e uma diplomacia ativa, estava adiante de seus pares. Liderando sem pressionar, apesar das pretensões de um Hugo Chávez que tecia alianças paralelas à base de conceder subsídios petrolíferos, convencido de que o preço internacional do petróleo cru só podia crescer. Assim ganhava influência, sem por isso ofuscar o Brasil.

    Hoje o Brasil está em recessão. Paralisado. Dividido. Com um deficit fiscal importante. Com uma dívida pública enorme, cuja quinta parte está em mãos de estrangeiros. Já sem grau de investimento. Nervoso. Frustrado e de mau humor. Por isso, já não seduz. Ao contrário, preocupa a todos.

    A antiga liderança midiática do ex-presidente Lula tem se apagado. Consideram-no corresponsável pelo momento de caos que se apoderou do país, da gastança excessiva e, ainda pior, da onda de corrupção que está sendo objeto de uma investigação judicial intensamente divulgada e que está a cargo do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal no Estado do Paraná.

    O processo parece ter deslegitimado um tanto as autoridades brasileiras. A imagem da sucessora e sócia política de Lula, a presidente Dilma Rousseff, também foi atingida de forma danosa. Dentro e fora do Brasil. O fim da extensa hegemonia do PT parece, assim, estar à vista.

    A imagem de excelência, a de país responsável, tem sido substituída pela de um Brasil que desconfia de suas autoridades e de sua classe política em geral. Pleno de instabilidade política e econômica. Dividido em dois, entre o sul do país, desenvolvido, e o norte, com indicadores socioeconômicos distantes da ideia de um desenvolvimento feliz.

    Com sombras, além disso. Como as de uma polícia com suspeitas de ineficiência e corrupção. Ou aquelas do juiz Moro. Deve-se reconhecer o empenho dele em atacar a corrupção, mas também cabe criticá-lo pela notória falta de apego às normas que regulam o processo penal, incluindo as constitucionais.

    Sergio Moro abusa da prisão preventiva, das delações induzidas e da publicidade midiática, quando os juízes devem sempre falar somente por meio de suas sentenças.

    Por tudo isso, preocupa até os argentinos, também vítimas de uma visão política perversa e equivocada. Contemplamos como nosso Poder Judiciário é objeto de constantes manipulações para que as causas nas quais sejam investigadas a corrupção oficial não cheguem à parte alguma.

    Observando o Brasil de fora, já não se percebe a urgência de consolidar uma liderança. Hoje o país, incomodado, vê fundamentalmente a si mesmo. Procurando organizar-se e buscando recuperar um futuro que as pessoas sentem que lhes foi roubado. E é urgente que o faça.

    O destino do Brasil está em jogo, atado ao da região. Quando seu ciclo político interno mostra sinais de esgotamento, seus problemas, cabe advertir, impactam muito além de suas próprias fronteiras –impactam toda uma região que parece começar a querer livrar-se do danoso mal bolivariano.

    EMILIO J. CÁRDENAS, 73, ex-embaixador da Argentina nas Nações Unidas. Ex-presidente da International Bar Association e de seu Instituto de Direitos Humanos

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