• Opinião

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    editorial

    Sem testes, com riscos

    27/10/2015 02h00

    Veio em boa hora, pelos esclarecimentos que presta, a entrevista com o farmacêutico Adilson Kleber Ferreira veiculada na quinta-feira (22) por esta Folha.

    Atualmente pesquisador do Instituto de Ciência Biomédicas da USP, Ferreira é coautor de seis artigos publicados em revistas internacionais sobre a fosfoetanolamina, substância que tem sido vista como uma droga milagrosa por muitos pacientes com câncer.

    O composto tornou-se recentemente objeto de uma polêmica depois que decisões da Justiça obrigaram a USP a produzi-lo e fornecê-lo a mais de mil pessoas, apesar de nunca ter sido submetido a testes clínicos com seres humanos.

    Desde então, a discussão polarizou-se. De um lado, pacientes e simpatizantes fazem campanha pela liberação da substância e acusam a indústria farmacêutica de bloquear o acesso à droga; de outro, oncologistas e associações médicas lembram os riscos embutidos na ingestão de produto sem comprovação de segurança e eficácia.

    Do ponto de vista de quem vive o drama dessa doença tão terrível, entende-se que avisos dessa natureza sejam relativizados. Isso não quer dizer, contudo, que os poderes públicos possam seguir o mesmo caminho. Há um todo um protocolo científico a ser observado.

    Afigura-se oportuno, assim, ouvir a opinião de um dos responsáveis pelas pesquisas com a fosfoetanolamina. Ferreira deixa claro, por exemplo, como ainda é incipiente o conhecimento acerca das propriedades da substância.

    Trata-se de uma molécula que mostrou bom potencial em relação a certos cânceres; contudo, segundo o próprio pesquisador, os dados conhecidos, obtidos em experimentos com células e camundongos, não são conclusivos.

    Em outras palavras, a fosfoetanolamina encontra-se no mesmo patamar de outros milhares de compostos que, em ensaios laboratoriais, conseguiram inibir a proliferação de células tumorais.

    O que separa o joio do trigo são os testes clínicos em seres humanos, processo no qual cerca de 90% das substâncias são reprovadas.

    Os experimentos são divididos em três fases. Apenas pelo cumprimento dessas etapas, custosas e demoradas, descobrem-se características essenciais de um composto, contraindicações, efeitos colaterais, vantagens e desvantagens.

    Nada disso ocorreu com a fosfoetanolamina –que nem chegou à primeira fase. Por ora, a única coisa que se sabe é que sua administração envolve riscos imponderáveis.

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