• Opinião

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    Eduardo F. Motti

    Pesquisa médica e a tragédia em curso no Brasil

    06/11/2015 02h00

    Os doutores José Humberto Fregnani, Paulo Henrique França e Jorge Alves Venâncio publicaram um manifesto pungente na Folha de 14/10 alertando os leitores da "Tragédia Anunciada" que ocorrerá se ou quando novas regras para a realização de pesquisas médicas forem aprovadas através de um projeto de lei ora em tramitação no Senado.

    Segundo pregam os doutores membros da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), a população brasileira corre o risco de morte por ação de pesquisadores inescrupulosos e gananciosos, como os que teriam causado centenas de mortes na Índia, por falta de uma vigilância ética mais poderosa, como a exercida pela Conep e que veem ameaçada.

    Desafortunadamente, o trio da Conep não apresenta ao público a tragédia que vem-se desenrolando na pesquisa médica no Brasil nos últimos 19 anos. Em 1996 a Europa, EUA e Japão entraram em um acordo histórico para definir padrões de conduta internacionais para a realização de pesquisas clínicas.

    No mesmo ano o Conselho Nacional de Saúde (CNS) emitiu uma Resolução (196/96) no mesmo sentido no Brasil, criando a Conep. Embora não estivesse entre suas atribuições, o CNS abraçou a causa com boa vontade, sob a batuta do professor Adib Jatene, na época ministro da Saúde.

    De lá para cá, o que se viu no Brasil foi um verdadeiro sequestro da atividade de pesquisa clínica pela Conep, que está impedindo milhões de brasileiros de participar dos avanços médicos e de perseguir novos tratamentos para doenças graves e fatais.

    Como a Conep levou-nos a essa tragédia? Em primeiro lugar, centralizando as decisões de quais pesquisas podem ou não ser feita no Brasil e submetendo à sua vontade todas as universidades, institutos de pesquisa, hospitais e qualquer profissional da saúde que queira realizar uma pesquisa médica no país.

    Como consequência, obviamente, não há como dar conta da demanda e a análise dos processos atrasam por meses a fio. O prazo de 50 dias mencionado pelos Drs. vale apenas para darem o primeiro parecer, não leva em conta todos os trâmites burocráticos anteriores e posteriores: na prática, nenhum projeto de pesquisa no Brasil pode ser iniciado otimisticamente antes de 6-8 meses de espera. isso a um paciente com câncer sem outra chance de tratamento.

    Em segundo lugar, a Conep acredita que detém a suma sapiência ética. Não há instância de recurso! Todo o país deve ficar sob o tacão de um grupo de 30 membros, escolhidos em processos muito pouco transparentes, e muitos sem requisitos mínimos para a função. Como consequência, o Brasil tem hoje regras estapafúrdias, que não existem em qualquer outro lugar do mundo.

    Os pareceres contêm erros crassos na análise ética e científica que envergonham o pesquisador brasileiro. Essa gente é que diz proteger o paciente brasileiro. Em terceiro lugar, a Conep ve a pesquisa como apêndice do capital internacional, que deve ser combatido sem trégua, não distingue ética da ideologia mais obtusa e retrógrada, e com isso quem sofre não são as corporações, mas o doente brasileiro.

    Os doutores da Conep usam de terrorismo verbal quando falam da Índia sem explicar (ou conhecer) as idiossincrasias desse país tão diferente do nosso. A Conep não quer a pesquisa clínica orientada por uma lei, prefere mante-la ao sabor da maré das resoluções de que usa e abusa sem se submeter a controles externos.

    Há vários anos que pesquisadores e pacientes vêm tentando mostrar ao povo e seus representantes parlamentares a tragédia que está em curso no Brasil, até que um grupo de Senadores entendeu a urgência do tema e, por isso, é hoje fustigado sem dó pela Conep. O PL 200/2015 está posto para discussão e aperfeiçoamento, não é a tragédia que a Conep anuncia.

    EDUARDO F. MOTTI, 60, médico formado na pela Faculdade de Medicina da USP, com mestrado em doenças infecciosas na USP, trabalho na área de pesquisa clínica há 30 anos

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