• Opinião

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    JOSÉ PADILHA

    Trabalhar pela democracia

    08/11/2015 02h00

    A maioria das pessoas acredita que a democracia é a melhor forma de se escolher um governante. A maioria está errada, posto que alguns facínoras, como Hitler, foram eleitos democraticamente. A democracia não se justifica como um processo de escolha, mas sim como uma forma pacífica de se promover alternâncias no poder.

    Como observou o filósofo Karl Popper, onde não há democracia os maus governantes ficam no trono até serem afastados de forma violenta, a um enorme custo social. Assim, a democracia é fundamental.

    Além disso, a democracia incorpora a metodologia da ciência à atividade política. Nos países com partidos de ideologias claras, a população pode avaliar os resultados práticos das políticas públicas e votar ou não pela permanência desta ou daquela ideologia no poder. A repetição desse processo tende a selecionar a forma de governo mais adequada para determinada sociedade.

    Em suma, a democracia confere vantagens competitivas significativas para quem sabe aplicá-la, e não é à toa que as sociedades mais desenvolvidas têm aparatos legais destinados a preservar seu bom funcionamento. Monopólios, oligopólios e leis inadequadas para o financiamento de campanhas desvirtuam o processo democrático. Concentração de mídia e riqueza promove distorções nas campanhas eleitorais.

    A corrupção é especialmente danosa. Nos países em que grupos políticos hegemônicos a praticam de forma sistêmica, cria-se um círculo vicioso. O sucesso eleitoral garante o vilipêndio dos recursos públicos e o vilipêndio dos recursos públicos garante o sucesso eleitoral.

    Nesses países ocorrem dois fenômenos. Em primeiro lugar, há pouca alternância de poder. Em segundo, as alternâncias acontecem depois de crises econômicas agudas, quando o estrago da corrupção chega a tal ponto que nem as vantagens conferidas por ela garantem mais as próximas eleições.

    O custo social e institucional desse processo é elevado. Político que rouba para financiar campanha comete crime ainda mais grave do que o político que embolsa "pixuleco". Fraude à democracia não é atenuante, é agravante.

    Existem ainda formas indiretas de fraudar a democracia. Um governante que frauda a Lei de Responsabilidade Fiscal de um país, seja pela emissão descontrolada de moeda ou por artifícios contábeis, para ganhar eleições imputa o custo de sua campanha a toda a população.

    Além de viciar o processo eleitoral e de gerar crises econômicas agudas, a impede que a democracia promova a correta avaliação das políticas públicas.

    Por exemplo: ao votar no PT, os brasileiros escolheram manter a estatização da exploração do petróleo. Hoje, apesar de monopolista, a Petrobras tem uma dívida de R$ 500 bilhões e suas ações se desvalorizaram incrivelmente. Isso significa que o petróleo não pode ser estatizado? Não necessariamente, posto que o PT promoveu um tal nível de corrupção na Petrobras que é difícil separar os efeitos da estatização dos efeitos negativos da corrupção.

    Quando uma democracia se torna extremamente corrupta, como aconteceu no Brasil, o melhor que os agentes sociais podem fazer é colocar suas divergências ideológicas temporariamente de lado e unir forças para punir exemplarmente quem corrompeu o país e o processo eleitoral.

    Defender políticos sabidamente corruptos por questões ideológicas, –ou para não dar o braço a torcer– é trabalhar contra a democracia. Aqueles que não têm a grandeza de espírito para colocar a lisura do jogo democrático à frente das preferências ideológicas lutam pela escravidão pensando estar lutando pela liberdade.

    JOSÉ PADILHA, 48, cineasta, é diretor de "Ônibus 174", "Tropa de Elite" e "Tropa de Elite 2"

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