• Opinião

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    Mauro Paulino e Alessandro Janoni

    A PM e o medo da opinião pública

    13/11/2015 02h00

    A polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 3.009 pessoas foram mortas por policiais em todo o território nacional em 2014. São Paulo foi o Estado que mais matou, com 965 casos no período, um aumento de 57% em relação a 2013.

    Nos Estados Unidos, onde o grau de letalidade policial é considerado elevado para padrões internacionais, com uma população sete vezes maior do que a do Estado de São Paulo, o número oficial de mortos pela polícia em todo o país em 2014 foi aproximadamente a metade dos executados pelos paulistas. Em projeções extraoficiais, no máximo se iguala ao número registrado aqui.

    Apesar de ruídos na divulgação das estatísticas ao longo de 2015, os números continuam expressivos –dados preliminares da Secretaria de Segurança Pública do Estado atestam 469 mortes de janeiro a setembro deste ano, consideradas apenas as ocorrências em que os policiais estavam em serviço.

    Todo esse diagnóstico, porém, não é suficiente para convencer o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Ricardo Gambaroni, sobre o temor que 60% dos paulistanos afirmam ter da PM, em pesquisa Datafolha divulgada na última sexta (6).

    Em seu artigo publicado na quinta (12) nesta Folha, o comandante despreza o resultado, relacionando a imagem negativa da corporação a problemas metodológicos do levantamento. Ele concentra os argumentos em dois pontos: o momento desfavorável da pesquisa, "logo após uma tragédia humana envolvendo maus policiais", e a escala dicotômica do questionário, que, para ele, limita a avaliação entre "confiar absolutamente" e "não confiar".

    Sobre a escala, o coronel se confundiu, pois sua descrição não corresponde à aplicada pelo Datafolha. Nessa pergunta, a pesquisa trabalha atributos cruzados –confiança e medo– em duas alternativas.

    Em uma delas, predomina a confiança em relação ao medo e, na outra, o medo em relação à confiança, mas nunca um dos dois sentimentos isoladamente ou no "extremo", como classifica o comandante.

    A pergunta é objetiva, clara e aplicada da mesma forma há 20 anos: "Você diria que tem MAIS confiança do que medo ou MAIS medo do que confiança na Polícia Militar?".

    Justamente por manter a mesma formulação ao longo de tanto tempo, o Datafolha é capaz de apontar fatos conjunturais que eventualmente possam ter mudado conceitos dos paulistanos sobre o tema, o que remete à crítica sobre o "momento" em que a pesquisa foi feita.

    Desde o primeiro levantamento em 1995, é possível listar episódios de alto grau de correlação com variações tanto negativas quanto positivas na imagem da polícia.

    Pode-se concluir, por exemplo, que flagrantes de abusos por parte de policiais, como na Favela Naval em 1997, prejudicaram de maneira significativa a imagem da instituição. Por outro lado, a vitimização de policiais em confrontos contra o PCC, em 2006 e 2012, assim como as primeiras manifestações de junho em 2013, reaproximaram a polícia da opinião pública.

    Interessante é notar que nesses casos de avaliação mais positiva não houve contestação ao momento em que a pesquisa foi feita. Ao contrário, o apoio popular de importante parcela dos paulistanos era usado como argumento para legitimar a reação violenta que se seguia –o que não deixa de ser um problema de método, mas não da pesquisa.

    MAURO PAULINO, 54, é diretor-geral do Datafolha
    ALESSANDRO JANONI, 44, é diretor de pesquisas do Datafolha

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