• Opinião

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    RICARDO SEMLER

    Operação Lava Alma

    29/12/2015 02h00

    Indiquei um executivo para meu sócio americano. Íntegro, competente, carreira bonita. Agora, três anos depois, caiu a ficha que havia recomendado um diretor da Odebrecht. O que há de errado comigo?

    O que há de errado com os que escolhem a corrupção como o nosso mal maior e, ainda assim, votam em Paulo Maluf? Quem são os evangélicos que dedicam dízimos para alçar Eduardo Cunha e dezenas iguais a ele ao Congresso?

    Sair às ruas para exigir a saída do PT é hipocrisia. Pintar as ruas de vermelho para defender o partido também o é.

    Qualquer psicanalista dirá que frases reflexivas começam com "eu". As faixas de protesto deveriam começar por "eu votei errado", "eu colaborei com a corrupção", "eu quero mudar".

    Imaginem um "disque autodenúncia". Quantos milhares de leitores não sabem de algo, ou colaboraram com corrupção? Quantas atrizes das grandes emissoras não deveriam raspar as cabeças, como ocorreu com as mulheres que namoraram nazistas na França?

    Quantos desses artistas não sabem que o salário e a fama resultam de colaboração com emissoras que trocaram apoio à ditadura por concessões econômicas?

    Que tal um serviço digital encriptado, no qual 1 milhão de funcionários públicos poderiam contar como participaram ou se fizeram de mortos enquanto concorrências eram dirigidas?

    Petralhas, reaças, tudo isso é furor tribal, como se futebol fosse. Claro que o PT tem que sair, perdeu a chance de limpar o Brasil. Imaginar, porém, que o próximo governo terá a solução para os problemas é ingenuidade ou ignorância.

    Delegamos para o PSDB, mas mormente ao PT, a tarefa inglória de desatar o nó que amarramos.

    Esses partidos, mais parecidos entre si do que confessam, colocaram banqueiros no comando da economia, reduziram a bandalheira e melhoraram o país. Só não mexeram na estrutura.

    Nos últimos 10 anos, estima-se que US$ 500 milhões foram pagos a indivíduos como forma de propina. Levando em conta que apenas a ditadura investiu, em valores atualizados, por volta de US$ 600 bilhões em obras, podemos ter uma ideia do valor gigantesco que pode ter abastecido a corrupção.

    Façamos outra conta: a receita acumulada das maiores empreiteiras brasileiras nos últimos 50 anos soma US$ 800 bilhões. Numa estimativa conservadora, podemos dizer que 5% disso (US$ 40 bilhões)foi destinado para o pagamento de propina. Como as obras representam um terço do investimento, o valor das propinas pode chegar a US$ 120 bilhões. Achamos uns US$ 2 bilhões, segundo reportagens dos últimos meses sobre esquemas de corrupção. Faltam US$ 118 bilhões.

    A boa notícia é que o país está mudando. Empresários sérios e os milhares de jovens que chegam ao mercado têm asco da situação que vivemos hoje. Eu ando feliz com os robustos sinais de solidez institucional.

    Vamos todos lavar a alma daqui para a frente, com autocrítica nacional. No meio tempo, vai um pedido isolado. Dilma, Temer, Renan, Cunha: encarnem um espírito de renovação em 2016. Quanto mais se apegam com desespero ao cargo, mais o holofote traz transpiração –e furor investigativo.

    Mesmo sem novos nomes no bolso, temos que ir para o próximo capítulo de nossa história. Suplicamos, pois: devolvam o nosso país.

    Na boa. Sem impeachment e cassações inevitáveis. Sem conflitos na rua. Chamem uma eleição geral para abril. Não deu certo, gente. Tenham piedade de nós, e teremos piedade de vós.

    RICARDO SEMLER, 56, empresário, é sócio da Semco Partners e fundador do Instituto Lumiar, que administra as escolas Lumiar. Foi professor visitante da Harvard Law School e professor do MBA no MIT - Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA)

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